Por Patrícia El-moor
Doutora em sociologia da cultura pela Universidade de Brasília. Idealizadora do projeto Presença Árabe no Brasil e Coordenadora Cultural do Instituto de Cultura Árabe-Brasileira.
A percepção de possíveis arabicidades na cultura brasileira tem sido objeto de reflexão em diversas áreas. Nas ciências sociais, o tema ainda é cercado de lacunas, carecendo de estudos que ofereçam maior reflexão sobre como essa “presença árabe” permeia a sociedade, manifestando-se em distintos graus de profundidade.
Na primeira parte deste capítulo, serão apresentadas definições e reflexões sobre o que é ser árabe, não apenas numa perspectiva histórica, mas como este conceito ecoa na atualidade. Em seguida, por meio de dados históricos, identificaremos os fluxos migratórios que se deram a partir da segunda metade do século XIX, com destaque para a chegada expressiva de sírios, libaneses e palestinos que se sobrepos a vinda de outros imigrantes árabes.
Por fim, indicaremos importantes referências intelectuais dentro das ciências sociais que apontam para uma chamada “herança cultural árabe-ibérica” presente na sociedade brasileira na forma de hábitos e costumes que remetem a tempos imemoriais e vão muito além dos censos e registros estatísticos.
1. Quem são os árabes?
A palavra “árabe”, embora um substantivo simples, carrega um conjunto de significados e representações sociais. Ela pode ser usada com conotações distintas nos diversos campos de conhecimento existentes, tais como o geográfico, o linguístico e o histórico. E ainda, com frequência é associada a assuntos religiosos e políticos, sendo comum despertar posicionamentos carregados de preconceitos e desinformação. O conceito também foi objeto de análise por parte de inúmeros intelectuais preocupados em definir o que isso representa e como interfere identitariamente sobre as pessoas que se autodenominam árabes.
Dada à complexidade da discussão sobre o que significa ser árabe hoje em dia (e as implicações sociais, políticas, econômicas culturais, linguísticas dessa discussão, apenas para citar alguns exemplos de fatores que interferem nesse assunto), seria uma tarefa quase impossível conduzir o leitor a este capítulo sobre a presença árabe na cultura brasileira sem antes oferecer uma reflexão a respeito de qual cultura se está falando. Portanto, considera-se condição primordial apresentar um pouco das principais reflexões em torno da palavra.
Pode-se dizer que a história dos atuais países árabes enquanto nações independentes, é relativamente recente e uma parcela da confusão existente nos dias de hoje em relação à compreensão sobre quem são os árabes está relacionada, entre outros fatores, à forma como a religião islâmica esteve associada a um período de expansão de um império que posteriormente viria a sofrer uma intensa retração.
No início do século VII, surgiu às margens dos grandes impérios, o Bizantino e o Sassânida, um movimento religioso que dominou a metade ocidental do mundo. Em Meca, cidade da Arábia Ocidental, Maomé começou a convocar homens e mulheres à reforma e à submissão à vontade de Deus, expressa no que ele e seus seguidores aceitavam como mensagens divinas a ele reveladas e mais tarde incorporadas num livro, o Corão. Em nome da nova religião — o Islã —, exércitos recrutados entre os habitantes da Arábia conquistaram os países vizinhos e fundaram um novo Império, o Califado, que incluiu grande parte do território do Império Bizantino e todo o Sassânida, e estendeu-se da Ásia Central até a Espanha. O centro de poder passou da Arábia para Damasco, na Síria, sob os califas omíadas, e depois para Bagdá, no Iraque, sob os abácidas. No século X, o Califado desmoronou, e surgiram califados rivais no Egito e na Espanha, mas a unidade social e cultural que se desenvolvera em seu interior continuou. (HOURANI, 2001, p. 21)
Em termos geográficos, a Península Arábica[1] foi habitada por vários séculos por tribos nômades, até que no século VI iniciou-se um processo de unificação. Naquele momento, um líder com uma impressionante capacidade agregadora e estratégica inspirou os habitantes daquela região a ponto de consolidar o Islã como uma das maiores religiões e impérios que se tem notícia. Muhammad, em português conhecido como Maomé, nasceu no ano 570 e faleceu e 632. É considerado, pelos muçulmanos, o último profeta de uma linhagem que contém Abraão, Ismael, Isaac, Jacó, Davi e Jesus. Foi o responsável por um processo de unificação e expansão que vai do século VII partindo do que se conhece atualmente como Oriente Médio, alcançando a Pérsia (hoje chamada de Irã), o norte da África e parte de Portugal e Espanha.
No entanto, a impressionante expansão religiosa e cultural iniciada por Maomé conhece seu declínio a partir do século XIII, porém, quando suas fronteiras começaram a retrair. No século XV os golpes foram ainda mais fortes, culminando com a queda de Granada e o ataque pelos turcos otomanos em terras muçulmanas.
Importante mencionar que o Islã, religião nascida na Península Arábica, que unificou tribos, extrapolou suas fronteiras e se expandiu de forma rápida levando o idioma árabe e uma cultura que ia sendo forjada ao longo desse processo para todos os locais por onde se instalou, teve um papel central na difusão do que hoje poderia ser chamado de uma “cultura árabo-islâmica”. Cabe mencionar que por onde o Império Islâmico passou, a conversão religiosa não era imposta, embora houvesse incentivos para que as pessoas adotassem a nova fé. Destaca-se, porém, que a cultura árabe naquele momento tornou-se fortemente associada à religião, pois mecanismos de expansão deste projeto de nação intensificaram este amalgama que envolvia o idioma árabe, a busca pelo conhecimento, pelo refinamento da música, da arquitetura e da ciência. Cidades como Damasco, e posteriormente Bagdá, foram centros culturais importantes e, embora o processo de expansão religiosa não tenha sido livre de conflitos, batalhas e disputas, estes polos irradiaram conhecimento e eram tomados como referências aonde quer que o Islã tivesse chegado.
Diante desse contexto, é possível compreender porque, embora a cultura arábica não seja homogênea e possua suas nuances internas, que variam de região para região, passou a ser fortemente associada à religião islâmica. No entanto, cabe lembrar que outros povos assumiram o controle do império islâmico em séculos seguintes, tendo contribuído, não apenas para o enriquecimento cultural da religião sob a perspectiva das artes, ciências, arquitetura, filosofia ou estratégias de guerra, mas também impregnaram a religião com elementos culturais bastante distintos daqueles originalmente relacionados à região onde o islã nasceu, qual seja, a Península Arábica.
Em 1982, a historiadora brasileira Maria Yedda Linhares, ao publicar o livro O Oriente Médio e o mundo árabe chamou atenção para o fato de que “Oriente Médio” e “Mundo Árabe” são expressões cujos conteúdos tendem a se confundir na mente do leitor comum da “crônica internacional”. Segundo ela, o primeiro termo passou a ser bastante utilizado a partir dos anos 1940 para designar uma área do globo terrestre “de cerca de uma dezena de milhões de quilômetros quadrados e uma população em crescimento explosivo cujas cifras ultrapassam a marca dos 200 milhões de habitantes”. (LINHARES, 2004, p. 10)
Já a palavra árabe, pela sua própria etimologia, significa “nômade que vive sob a sua tenda no deserto” (embora essa definição não seja aceita por todos os estudiosos do tema) e, por essa razão, o termo, durante séculos, se referiu mais a um “gênero de vida e organização social do que a uma língua e, menos ainda, a uma raça”. Entretanto, de acordo com Linhares, faz-se importante reforçar sempre o fato de que os povos aos quais chamamos de árabes representam um conjunto heterogêneo do ponto de vista étnico:
A própria língua árabe, que se difundiu, arabizou populações e gerou mais arabizados do que árabes propriamente ditos, povos que passaram a se identificar pela língua, pela religião e pelos hábitos sociais. Assim como os povos, a língua sofreu transformações e apresenta hoje variações acentuadas segundo o país e o grau maior ou menor de assimilação com populações e culturas preenxistentes. (idem, p. 18)
Não raro, existe atualmente uma tendência a se referir ao termo árabe ao se falar sobre uma região particular do mundo: autointitulam-se árabes quase todas as pessoas na localização que se estende desde a Costa Atlântica do Norte da África até o Golfo Pérsico. Cabe menção, neste caso, a famosa citação de Sati´Al-Husri: “al-Umma al-‘Arabiya min al-Muhit al-Atlasi ila al Khalij al-arabi” ou, em português, “eu professo de todo meu coração a religião do arabismo” (DAWISHA, 2003, p. 185), frase que pode ser tomada como ilustração sobre como a origem do nacionalismo árabe, ideologia que busca valorizar e enaltecer as glórias da civilização, a língua e a literatura “árabes”, conclamando uma união política desde o Oceano Atlântico ao Mar Arábico, em contraposição ao domínio “ocidental” naquela região.
Esta corrente ideológica se desenvolveu no inico do século XX por oposição ao otomanismo. O movimento nacionalista turco, por meio do movimento dos Jovens Turcos, influenciou o nacionalismo árabe: propunha-se transpor o otomanismo fundado sobre a unidade muçulmana para o arabismo fundado sobre a cultura árabe contra a cultura e a nação turca. (CARRÉ, 2013, p. 25)
Tal ideologia está pautada na compreensão da existência de um idioma comum (árabe) e do compartilhamento de um senso de identidade geográfica, histórica e cultural[2]. Ainda que essa formulação pareça um tanto quanto reduzida, é importante salientar que essa palavra carrega um conjunto de significados e representações sociais que muitas vezes podem adquirir contornos bastante complexos.
Embora se imagine que as pessoas compreendam que uma família árabe em Beirute – capital do Líbano – possua hábitos distintos de uma família em Túnis – capital da Tunísia –, por exemplo, na maioria das vezes é recorrente encontrar mais generalizações e confusões em torno da palavra “árabe” do que esclarecimentos. Além de um componente político responsável por este conjunto de incompreensões acerca do tema, confusões ocorrem também motivadas por questões religiosas.
Em tempo, com alguma frequência observa-se, por exemplo, que em várias esferas da sociedade existe uma tendência a se considerar os muçulmanos como se fosse um grande grupo homogêneo – em outras palavras – todos iguais. E, ainda, repetidamente deparamo-nos com o “discurso” de que ser árabe é ser muçulmano. Não obstante, muita gente se esquece ou sequer sabe que a religião islâmica é praticada por quase 1/4 da população mundial[3], está presente em mais de 50 países, e que existe no comportamento desse 1,3 bilhão de pessoas tanta diferença cultural que seria no mínimo absurdo tratá-las e tomá-las como iguais.
Do ponto de vista identitário, diferentes pessoas, muitas vezes algumas delas sem qualquer relação entre si, podem se sentir árabes ou sentir que pertencem a uma cultura dita “árabe”[4]. Uma das discussões mais recorrentes em torno desse sentimento diz respeito ao processo de arabização vivido por diversos países por onde o império islâmico percorreu na chamada etapa áurea da religião.
Nesse sentido, o imaginário criado a respeito dessa palavra desperta grande interesse sociológico e parte da dificuldade em realizar estudos sobre assuntos ligados ao mundo árabe se dá pelo fato de que as diferentes referências bibliográficas partem de entendimentos muitas vezes distintos, excessivamente específicos ou até mesmo vagos, sobre qual seria exatamente o universo sobre o qual se deseja falar. Por exemplo, um dos grandes autores a respeito do tema, Albert Hourani, ao escrever Uma História dos Povos Árabes (1994), optou por não estabelecer nenhum tipo de definição sobre seu objeto de investigação.
Este livro trata da parte ocidental do mundo islâmico, aquela em que o árabe era a língua dominante na alta cultura e, numa forma ou noutra, na fala coloquial. Seria errado, claro, pensar que essa era uma região nitidamente isolada do mundo em torno dela. Os países de língua árabe ainda tinham muito em comum com os de língua persa e turca; as terras em torno do oceano Índico e do mar Mediterrâneo tinham estreitas ligações umas com as outras, fosse a religião dominante o Islã ou não; todo mundo vivia dentro das mesmas restrições impostas pela limitação de recursos humanos e do conhecimento técnico de como usá-los. Seria também demasiado simples pensar nessa vasta região como formando um único “país”. Melhor seria pensar nos lugares onde o árabe era a língua dominante como um grupo de regiões distintas umas das outras em termos geográficos e naturais, e habitadas por povos com tradições sociais e culturais características, que ainda subsistiam em modos de vida e talvez também em hábitos de pensamento e sentimento, onde a consciência do que existira antes do advento do Islã enfraquecera ou praticamente desaparecera. Processos sociais mais ou menos semelhantes podem ser vistos nessas regiões, e uma língua comum e a cultura nela expressa facilitavam às classes urbanas letradas o intercâmbio umas com as outras. (HOURANI, 1994, p. 106)
O tratamento dado nesta importante publicação, escrita por um filho de libaneses e uma das maiores autoridades em história do mundo árabe, foi abordar de forma bastante detalhada e abrangente aquelas regiões do mundo islâmico cuja língua é o árabe, no período compreendido entre o aparecimento do Islã, no século XII, até o início da década de 1990.
De acordo com Clemesha (2010), quando Albert Hourani começou a lecionar história árabe, em 1951 em Oxford, não havia, segundo o prório autor, muitos livros, ou cursos, sobre os quais pudesse se apoiar.
A história árabe, ausente dos departamentos de História, era lecionada por linguistas, entre outros especialistas, reunidos nos departamentos de “estudos árabes ou orientais”, onde ganharam a hoje difamada denominação de “orientalistas”. (CLEMESHA, 2010, p. 89)
Atualmente, um país árabe, de acordo com a Liga dos Estados Árabes, é um país que tem como oficial a língua árabe e que se baseia nas leis muçulmanas. A liga é uma organização de estados árabes fundada em 22 de março de 1945 no Cairo por seis países – por ordem de assinatura do documento de fundação: Egito, Iraque, Jordânia, Líbano, Síria e Arábia Saudita. Seu objetivo é reforçar e coordenar os laços econômicos, sociais, políticos e culturais entre os seus membros, assim como mediar disputas entre estes.
De acordo com informações de agosto de 2014, a Liga Árabe compreendia vinte e um estados, que possuíam no total uma população superior a 200 milhões de habitantes. A participação da Síria, que totalizava 22 nações reunidas pela Liga, foi suspensa em novembro de 2011 por causa da guerra civil em curso no país, numa votação em que a Síria, Líbano e Iêmen foram contra, enquanto o Iraque se absteve. No final de 2018, deu-se início a um processo de discussão sobre a readmissão do país à Liga Árabe, porém, até meados de 2019, não havia sido anunciada ainda uma solução definitiva para o caso.
Embora seja considerada pelas Nações Unidas uma organização regional, tal classificação não corresponde à realidade, visto que seus Membros estão espalhados pelos continentes africano e asiático. Originalmente, o principal fator de união era a vinculação com o mundo árabe como um primeiro passo árabe, dentro de uma nova configuração de Estados independentes na busca de sua própria posição no contexto internacional. Porém, a religião islâmica paulatinamente passou a ser um importante elo entre os países pertencentes à liga, sobrepondo-se à uma ideia de cultura árabe que, embora não fosse homogênea, era pautada pela questão do idioma, reconhecimento de uma identidade, entre outros aspectos.
A seguir, é possível consultar os países integrantes da Liga dos Estados Árabes e a data de sua inclusão. Países como Mauritânia, Somália, Djibouti, Comores[5] e Eritreia, que aderiu à Liga Árabe na qualidade de observador em 2003, são atualmente considerados árabes embora culturalmente tenham pouca relação com os demais, os quais, embora não estejam todos localizados na Península Arábica, passaram há alguns séculos por um processo de “arabização”. Este contexto coincide com o momento em que a religião islâmica, estando fortemente impregnada por um projeto de expansão de um império, extrapolou as fronteiras locais e alcançou regiões bastante longínquas, mas que mantiveram uma identidade cultural bastante forte.
- Egito (adesão em 22 de março de 1945)
- Iraque (adesão em 22 de março de 1945)
- Jordânia (adesão em 22 de março de 1945)
- Líbano (adesão em 22 de março de 1945)
- Arábia Saudita (adesão em 22 de março de 1945)
- Síria (adesão em 22 de março de 1945, suspensão em novembro de 2011)
- Iêmen (adesão em 5 de maio de 1945)
- Líbia (adesão em 28 de março de 1953)
- Sudão (adesão em 19 de junho de 1956)
- Marrocos (adesão em 1 de outubro de 1958)
- Tunísia (adesão em 1 de outubro de 1958)
- Kuwait (adesão em 20 de julho de 1961)
- Argélia (adesão em 16 de agosto de 1968)
- Emirados Árabes Unidos (adesão em 12 de junho de 1971)
- Bahrein (adesão em 11 de setembro de 1971)
- Catar (adesão em 11 de setembro de 1971)
- Omã (adesão em 29 de setembro de 1971)
- Mauritânia (adesão em 26 de novembro de1973)
- Somália (adesão em 14 de fevereiro de 1974)
- Palestina (adesão em 9 de setembro de 1976)
- Djibouti (adesão em 9 de abril de 1977)
- Comores (adesão em 20 de novembro de 1993)
- Eritreia (observador desde 2003)
A Liga dos Estados Árabes inseriu-se no cenário das relações internacionais com propostas ambiciosas voltadas para consolidação de um projeto nacionalista. O Artigo 1º da Carta de Fundação da Liga dispõe que “todo o Estado árabe independente tem o direito de tornar-se membro da Liga, se ele assim desejar”. A atuação da entidade, no entanto, em episódios determinantes como a invasão dos Estados Unidos da América ao Iraque, o conflito na Síria ou o processo de paz entre Israel e Palestina, tem sido alvo de muitas críticas por parte de intelectuais, políticos, analistas e também cidadãos dos países pertencentes à Liga, que não a tomam como um representante legítimo.
Nesse caso, observa-se um hiato entre o papel supostamente assumido pela Liga dos Estados Árabes e a forma como ela se inseriu no cenário internacional nas últimas décadas. Diante desse contexto, uma questão importante é: que outra instituição formal pode ou deseja ser tomada como representante dos interesses dos países árabes? E, de modo contíguo a essa pergunta, pode-se levantar um outro ponto importante, difícil de ser respondido: até que ponto é interessantes às nações árabes estarem reunidas sob uma entidade que supostamente agregaria os mesmos interesses, mas que, na prática, termina por revelar disparidades culturais, políticas e sociais entre os países, revelando a imensa dificuldade em se compreender quem efetivamente são os árabes no cenário atual?
Vimos até agora, como é estreita a associação entre religião islâmica e mundo árabe, embora seja impossível tratar muçulmanos e árabes como sinônimos, especialmente após tantos séculos desde o surgimento dessa fé. De fato, o Islã nasceu na chamada Península Arábica, a qual foi unificada[6] pelo Califa Omar no ano 634, seguida pela conquista de Damasco, na Síria, que culminou com a vitória dos árabes sobre os bizantinos no Vale de Iarmuk (SALINAS, 2009, p. 234).
O contato direto dos árabes islamizados com as grandes civilizações da Antiguidade – gregos, romanos, persas e bizantinos – modificou a identificação puramente étnica do islamita, de maneira que todos eram reputados árabes, independentemente de sua nacionalidade. Bastava a filiação religiosa e a adoção da língua árabe para completar a transformação (idem, p. 113).
Ainda segundo Salinas (p. 53), o islamismo propunha unificar os árabes de um ponto de vista religioso e, inevitavelmente, propiciar a formação de unidade política. Não havia, porém, um “propósito de submeter outros povos à religião muçulmana, compelindo-os pela força”, e muito menos o objetivo de aniquilar a civilização dos povos com quem tiveram contato durante o período de expansão do Islã e de quem assimilaram muitos dos conhecimentos posteriormente difundidos naquele grande império. O autor acrescenta também que, embora islamismo e política não fossem concomitantes desde o primeiro século da conquista, “é exponencial anotar que, excetuada a Península Ibérica, a religião islâmica permaneceu firmemente implantada no solo onde consolidou a sua presença”. Neste sentido, seria impossível falar sobre a presença árabe em diversos povos sem levar em conta as intersecções culturais experimentadas especialmente no período de ascensão do Império Islâmico.
Notas:
[1] A Arábia é uma península da Ásia Ocidental, próxima da África. Limita-se a noroeste com a Palestina, ao sul com o oceano Índico, a leste com o golfo Pérsico e a oeste com o mar Vermelho.
[2]Guide to Arab Culture: Health Care Delivery to the Arab American Community. Documento publicado em 1999 pelo Arab Community Center for Economic and Social Services, nos Estados Unidos da América. Disponível em: http://www.accesscommunity.org/site/DocServer/health_and_research_cente_21.pdf. Acesso em: 24 jul. 2013.
[3] O percentual de muçulmanos no mundo está previsto para atingir um quarto da população mundial até 2020. (ALVES, 2010) Disponível em: http://www.ufjf.br/ladem/2010/04/13/transicao-demografica-nos-paises-islamicos-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/. Acesso em: 24 jul. 2013.
[4] Ao longo da pesquisa realizada entre 2011 e 2014, e que será apresentada no capítulo 4, essa reflexão foi recorrente, tanto nas entrevistas feitas com árabes e descendentes, quanto nas discussões observadas na página Presença Árabe no Brasil, criada especificamente como ambiente virtual que possibilitasse maior contato com a comunidade árabe no Brasil.
[5] República Federal Islâmica das Comores, também conhecido como Ilhas Comores.
[6] Do ponto de vista político, até o século VI, os árabes se organizavam de forma descentralizada, e a região era dividida em tribos, que até então jamais haviam se consolidado em torno de uma instituição política unitária.