Presença árabe no Brasil: entre a herança ibérica e os fluxos migratórios

Por Patrícia El-moor

Doutora em sociologia da cultura pela Universidade de Brasília. Idealizadora do projeto Presença Árabe no Brasil e Coordenadora Cultural do Instituto de Cultura Árabe-Brasileira.

A percepção de possíveis arabicidades na cultura brasileira tem sido objeto de reflexão em diversas áreas. Nas ciências sociais, o tema ainda é cercado de lacunas, carecendo de estudos que ofereçam maior reflexão sobre como essa “presença árabe” permeia a sociedade, manifestando-se em distintos graus de profundidade.

Na primeira parte deste capítulo, serão apresentadas definições e reflexões sobre o que é ser árabe, não apenas numa perspectiva histórica, mas como este conceito ecoa na atualidade. Em seguida, por meio de dados históricos, identificaremos os fluxos migratórios que se deram a partir da segunda metade do século XIX, com destaque para a chegada expressiva de sírios, libaneses e palestinos que se sobrepos a vinda de outros imigrantes árabes.

Por fim, indicaremos importantes referências intelectuais dentro das ciências sociais que apontam para uma chamada “herança cultural árabe-ibérica” presente na sociedade brasileira na forma de hábitos e costumes que remetem a tempos imemoriais e vão muito além dos censos e registros estatísticos.

1. Quem são os árabes?

A palavra “árabe”, embora um substantivo simples, carrega um conjunto de significados e representações sociais. Ela pode ser usada com conotações distintas nos diversos campos de conhecimento existentes, tais como o geográfico, o linguístico e o histórico. E ainda, com frequência é associada a assuntos religiosos e políticos, sendo comum despertar posicionamentos carregados de preconceitos e desinformação. O conceito também foi objeto de análise por parte de inúmeros intelectuais preocupados em definir o que isso representa e como interfere identitariamente sobre as pessoas que se autodenominam árabes.

Dada à complexidade da discussão sobre o que significa ser árabe hoje em dia (e as implicações sociais, políticas, econômicas culturais, linguísticas dessa discussão, apenas para citar alguns exemplos de fatores que interferem nesse assunto), seria uma tarefa quase impossível conduzir o leitor a este capítulo sobre a presença árabe na cultura brasileira sem antes oferecer uma reflexão a respeito de qual cultura se está falando. Portanto, considera-se condição primordial apresentar um pouco das principais reflexões em torno da palavra.

Pode-se dizer que a história dos atuais países árabes enquanto nações independentes, é relativamente recente e uma parcela da confusão existente nos dias de hoje em relação à compreensão sobre quem são os árabes está relacionada, entre outros fatores, à forma como a religião islâmica esteve associada a um período de expansão de um império que posteriormente viria a sofrer uma intensa retração.

No início do século VII, surgiu às margens dos grandes impérios, o Bizantino e o Sassânida, um movimento religioso que dominou a metade ocidental do mundo. Em Meca, cidade da Arábia Ocidental, Maomé começou a convocar homens e mulheres à reforma e à submissão à vontade de Deus, expressa no que ele e seus seguidores aceitavam como mensagens divinas a ele reveladas e mais tarde incorporadas num livro, o Corão. Em nome da nova religião — o Islã —, exércitos recrutados entre os habitantes da Arábia conquistaram os países vizinhos e fundaram um novo Império, o Califado, que incluiu grande parte do território do Império Bizantino e todo o Sassânida, e estendeu-se da Ásia Central até a Espanha. O centro de poder passou da Arábia para Damasco, na Síria, sob os califas omíadas, e depois para Bagdá, no Iraque, sob os abácidas. No século X, o Califado desmoronou, e surgiram califados rivais no Egito e na Espanha, mas a unidade social e cultural que se desenvolvera em seu interior continuou. (HOURANI, 2001, p. 21)

 

Em termos geográficos, a Península Arábica[1] foi habitada por vários séculos por tribos nômades, até que no século VI iniciou-se um processo de unificação. Naquele momento, um líder com uma impressionante capacidade agregadora e estratégica inspirou os habitantes daquela região a ponto de consolidar o Islã como uma das maiores religiões e impérios que se tem notícia. Muhammad, em português conhecido como Maomé, nasceu no ano 570 e faleceu e 632. É considerado, pelos muçulmanos, o último profeta de uma linhagem que contém Abraão, Ismael, Isaac, Jacó, Davi e Jesus. Foi o responsável por um processo de unificação e expansão que vai do século VII partindo do que se conhece atualmente como Oriente Médio, alcançando a Pérsia (hoje chamada de Irã), o norte da África e parte de Portugal e Espanha.

No entanto, a impressionante expansão religiosa e cultural iniciada por Maomé conhece seu declínio a partir do século XIII, porém, quando suas fronteiras começaram a retrair. No século XV os golpes foram ainda mais fortes, culminando com a queda de Granada e o ataque pelos turcos otomanos em terras muçulmanas.

Importante mencionar que o Islã, religião nascida na Península Arábica, que unificou tribos, extrapolou suas fronteiras e se expandiu de forma rápida levando o idioma árabe e uma cultura que ia sendo forjada ao longo desse processo para todos os locais por onde se instalou, teve um papel central na difusão do que hoje poderia ser chamado de uma “cultura árabo-islâmica”. Cabe mencionar que por onde o Império Islâmico passou, a conversão religiosa não era imposta, embora houvesse incentivos para que as pessoas adotassem a nova fé. Destaca-se, porém, que a cultura árabe naquele momento tornou-se fortemente associada à religião, pois mecanismos de expansão deste projeto de nação intensificaram este amalgama que envolvia o idioma árabe, a busca pelo conhecimento, pelo refinamento da música, da arquitetura e da ciência. Cidades como Damasco, e posteriormente Bagdá, foram centros culturais importantes e, embora o processo de expansão religiosa não tenha sido livre de conflitos, batalhas e disputas, estes polos irradiaram conhecimento e eram tomados como referências aonde quer que o Islã tivesse chegado.

Diante desse contexto, é possível compreender porque, embora a cultura arábica não seja homogênea e possua suas nuances internas, que variam de região para região, passou a ser fortemente associada à religião islâmica. No entanto, cabe lembrar que outros povos assumiram o controle do império islâmico em séculos seguintes, tendo contribuído, não apenas para o enriquecimento cultural da religião sob a perspectiva das artes, ciências, arquitetura, filosofia ou estratégias de guerra, mas também impregnaram a religião com elementos culturais bastante distintos daqueles originalmente relacionados à região onde o islã nasceu, qual seja, a Península Arábica.

Em 1982, a historiadora brasileira Maria Yedda Linhares, ao publicar o livro O Oriente Médio e o mundo árabe chamou atenção para o fato de que “Oriente Médio” e “Mundo Árabe” são expressões cujos conteúdos tendem a se confundir na mente do leitor comum da “crônica internacional”. Segundo ela, o primeiro termo passou a ser bastante utilizado a partir dos anos 1940 para designar uma área do globo terrestre “de cerca de uma dezena de milhões de quilômetros quadrados e uma população em crescimento explosivo cujas cifras ultrapassam a marca dos 200 milhões de habitantes”. (LINHARES, 2004, p. 10)

Já a palavra árabe, pela sua própria etimologia, significa “nômade que vive sob a sua tenda no deserto” (embora essa definição não seja aceita por todos os estudiosos do tema) e, por essa razão, o termo, durante séculos, se referiu mais a um “gênero de vida e organização social do que a uma língua e, menos ainda, a uma raça”. Entretanto, de acordo com Linhares, faz-se importante reforçar sempre o fato de que os povos aos quais chamamos de árabes representam um conjunto heterogêneo do ponto de vista étnico:

A própria língua árabe, que se difundiu, arabizou populações e gerou mais arabizados do que árabes propriamente ditos, povos que passaram a se identificar pela língua, pela religião e pelos hábitos sociais. Assim como os povos, a língua sofreu transformações e apresenta hoje variações acentuadas segundo o país e o grau maior ou menor de assimilação com populações e culturas preenxistentes. (idem, p. 18)

Não raro, existe atualmente uma tendência a se referir ao termo árabe ao se falar sobre uma região particular do mundo: autointitulam-se árabes quase todas as pessoas na localização que se estende desde a Costa Atlântica do Norte da África até o Golfo Pérsico. Cabe menção, neste caso, a famosa citação de Sati´Al-Husri: “al-Umma al-‘Arabiya min al-Muhit al-Atlasi ila al Khalij al-arabi” ou, em português, “eu professo de todo meu coração a religião do arabismo” (DAWISHA, 2003, p. 185), frase que pode ser tomada como ilustração sobre como a origem do nacionalismo árabe, ideologia que busca valorizar e enaltecer as glórias da civilização, a língua e a literatura “árabes”, conclamando uma união política desde o Oceano Atlântico ao Mar Arábico, em contraposição ao domínio “ocidental” naquela região.

Esta corrente ideológica se desenvolveu no inico do século XX por oposição ao otomanismo. O movimento nacionalista turco, por meio do movimento dos Jovens Turcos, influenciou o nacionalismo árabe: propunha-se transpor o otomanismo fundado sobre a unidade muçulmana para o arabismo fundado sobre a cultura árabe contra a cultura e a nação turca. (CARRÉ, 2013, p. 25)

Tal ideologia está pautada na compreensão da existência de um idioma comum (árabe) e do compartilhamento de um senso de identidade geográfica, histórica e cultural[2]. Ainda que essa formulação pareça um tanto quanto reduzida, é importante salientar que essa palavra carrega um conjunto de significados e representações sociais que muitas vezes podem adquirir contornos bastante complexos.

Embora se imagine que as pessoas compreendam que uma família árabe em Beirute – capital do Líbano – possua hábitos distintos de uma família em Túnis – capital da Tunísia –, por exemplo, na maioria das vezes é recorrente encontrar mais generalizações e confusões em torno da palavra “árabe” do que esclarecimentos. Além de um componente político responsável por este conjunto de incompreensões acerca do tema, confusões ocorrem também motivadas por questões religiosas.

Em tempo, com alguma frequência observa-se, por exemplo, que em várias esferas da sociedade existe uma tendência a se considerar os muçulmanos como se fosse um grande grupo homogêneo – em outras palavras – todos iguais. E, ainda, repetidamente deparamo-nos com o “discurso” de que ser árabe é ser muçulmano. Não obstante, muita gente se esquece ou sequer sabe que a religião islâmica é praticada por quase 1/4 da população mundial[3], está presente em mais de 50 países, e que existe no comportamento desse 1,3 bilhão de pessoas tanta diferença cultural que seria no mínimo absurdo tratá-las e tomá-las como iguais.

Do ponto de vista identitário, diferentes pessoas, muitas vezes algumas delas sem qualquer relação entre si, podem se sentir árabes ou sentir que pertencem a uma cultura dita “árabe”[4]. Uma das discussões mais recorrentes em torno desse sentimento diz respeito ao processo de arabização vivido por diversos países por onde o império islâmico percorreu na chamada etapa áurea da religião.

Nesse sentido, o imaginário criado a respeito dessa palavra desperta grande interesse sociológico e parte da dificuldade em realizar estudos sobre assuntos ligados ao mundo árabe se dá pelo fato de que as diferentes referências bibliográficas partem de entendimentos muitas vezes distintos, excessivamente específicos ou até mesmo vagos, sobre qual seria exatamente o universo sobre o qual se deseja falar. Por exemplo, um dos grandes autores a respeito do tema, Albert Hourani, ao escrever Uma História dos Povos Árabes (1994), optou por não estabelecer nenhum tipo de definição sobre seu objeto de investigação.

Este livro trata da parte ocidental do mundo islâmico, aquela em que o árabe era a língua dominante na alta cultura e, numa forma ou noutra, na fala coloquial. Seria errado, claro, pensar que essa era uma região nitidamente isolada do mundo em torno dela. Os países de língua árabe ainda tinham muito em comum com os de língua persa e turca; as terras em torno do oceano Índico e do mar Mediterrâneo tinham estreitas ligações umas com as outras, fosse a religião dominante o Islã ou não; todo mundo vivia dentro das mesmas restrições impostas pela limitação de recursos humanos e do conhecimento técnico de como usá-los. Seria também demasiado simples  pensar nessa vasta região como formando um único “país”. Melhor seria pensar nos lugares onde o árabe era a língua dominante como um grupo de regiões distintas umas das outras em termos geográficos e naturais, e habitadas por povos com tradições sociais e culturais características, que ainda subsistiam em modos de vida e talvez também em hábitos de pensamento e sentimento, onde a consciência do que existira antes do advento do Islã enfraquecera ou praticamente desaparecera. Processos sociais mais ou menos semelhantes podem ser vistos nessas regiões, e uma língua comum e a cultura nela expressa facilitavam às classes urbanas letradas o intercâmbio umas com as outras. (HOURANI, 1994, p. 106)

O tratamento dado nesta importante publicação, escrita por um filho de libaneses e uma das maiores autoridades em história do mundo árabe, foi abordar de forma bastante detalhada e abrangente aquelas regiões do mundo islâmico cuja língua é o árabe, no período compreendido entre o aparecimento do Islã, no século XII, até o início da década de 1990.

De acordo com Clemesha (2010), quando Albert Hourani começou a lecionar história árabe, em 1951 em Oxford, não havia, segundo o prório autor, muitos livros, ou cursos, sobre os quais pudesse se apoiar.

A história árabe, ausente dos departamentos de História, era lecionada por linguistas, entre outros especialistas, reunidos nos departamentos de “estudos árabes ou orientais”, onde ganharam a hoje difamada denominação de “orientalistas”. (CLEMESHA, 2010, p. 89)

Atualmente, um país árabe, de acordo com a Liga dos Estados Árabes, é um país que tem como oficial a língua árabe e que se baseia nas leis muçulmanas. A liga é uma organização de estados árabes fundada em 22 de março de 1945 no Cairo por seis países – por ordem de assinatura do documento de fundação: Egito, Iraque, Jordânia, Líbano, Síria e Arábia Saudita. Seu objetivo é reforçar e coordenar os laços econômicos, sociais, políticos e culturais entre os seus membros, assim como mediar disputas entre estes.

De acordo com informações de agosto de 2014, a Liga Árabe compreendia vinte e um estados, que possuíam no total uma população superior a 200 milhões de habitantes. A participação da Síria, que totalizava 22 nações reunidas pela Liga, foi suspensa em novembro de 2011 por causa da guerra civil em curso no país, numa votação em que a Síria, Líbano e Iêmen foram contra, enquanto o Iraque se absteve. No final de 2018, deu-se início a um processo de discussão sobre a readmissão do país à Liga Árabe, porém, até meados de 2019, não havia sido anunciada ainda uma solução definitiva para o caso.

Embora seja considerada pelas Nações Unidas uma organização regional, tal classificação não corresponde à realidade, visto que seus Membros estão espalhados pelos continentes africano e asiático. Originalmente, o principal fator de união era a vinculação com o mundo árabe como um primeiro passo árabe, dentro de uma nova configuração de Estados independentes na busca de sua própria posição no contexto internacional. Porém, a religião islâmica paulatinamente passou a ser um importante elo entre os países pertencentes à liga, sobrepondo-se à uma ideia de cultura árabe que, embora não fosse homogênea, era pautada pela questão do idioma, reconhecimento de uma identidade, entre outros aspectos.

A seguir, é possível consultar os países integrantes da Liga dos Estados Árabes e a data de sua inclusão. Países como Mauritânia, Somália, Djibouti, Comores[5] e Eritreia, que aderiu à Liga Árabe na qualidade de observador em 2003, são atualmente considerados árabes embora culturalmente tenham pouca relação com os demais, os quais, embora não estejam todos localizados na Península Arábica, passaram há alguns séculos por um processo de “arabização”. Este contexto coincide com o momento em que a religião islâmica, estando fortemente impregnada por um projeto de expansão de um império, extrapolou as fronteiras locais e alcançou regiões bastante longínquas, mas que mantiveram uma identidade cultural bastante forte.

  • Egito (adesão em 22 de março de 1945)
  • Iraque (adesão em 22 de março de 1945)
  • Jordânia (adesão em 22 de março de 1945)
  • Líbano (adesão em 22 de março de 1945)
  • Arábia Saudita (adesão em 22 de março de 1945)
  • Síria (adesão em 22 de março de 1945, suspensão em novembro de 2011)
  • Iêmen (adesão em 5 de maio de 1945)
  • Líbia (adesão em 28 de março de 1953)
  • Sudão (adesão em 19 de junho de 1956)
  • Marrocos (adesão em 1 de outubro de 1958)
  • Tunísia (adesão em 1 de outubro de 1958)
  • Kuwait (adesão em 20 de julho de 1961)
  • Argélia (adesão em 16 de agosto de 1968)
  • Emirados Árabes Unidos (adesão em 12 de junho de 1971)
  • Bahrein (adesão em 11 de setembro de 1971)
  • Catar (adesão em 11 de setembro de 1971)
  • Omã (adesão em 29 de setembro de 1971)
  • Mauritânia (adesão em 26 de novembro de1973)
  • Somália (adesão em 14 de fevereiro de 1974)
  • Palestina (adesão em 9 de setembro de 1976)
  • Djibouti (adesão em 9 de abril de 1977)
  • Comores (adesão em 20 de novembro de 1993)
  • Eritreia (observador desde 2003)

A Liga dos Estados Árabes inseriu-se no cenário das relações internacionais com propostas ambiciosas voltadas para consolidação de um projeto nacionalista. O Artigo 1º da Carta de Fundação da Liga dispõe que “todo o Estado árabe independente tem o direito de tornar-se membro da Liga, se ele assim desejar”. A atuação da entidade, no entanto, em episódios determinantes como a invasão dos Estados Unidos da América ao Iraque, o conflito na Síria ou o processo de paz entre Israel e Palestina, tem sido alvo de muitas críticas por parte de intelectuais, políticos, analistas e também cidadãos dos países pertencentes à Liga, que não a tomam como um representante legítimo.

Nesse caso, observa-se um hiato entre o papel supostamente assumido pela Liga dos Estados Árabes e a forma como ela se inseriu no cenário internacional nas últimas décadas. Diante desse contexto, uma questão importante é: que outra instituição formal pode ou deseja ser tomada como representante dos interesses dos países árabes? E, de modo contíguo a essa pergunta, pode-se levantar um outro ponto importante, difícil de ser respondido: até que ponto é interessantes às nações árabes estarem reunidas sob uma entidade que supostamente agregaria os mesmos interesses, mas que, na prática, termina por revelar disparidades culturais, políticas e sociais entre os países, revelando a imensa dificuldade em se compreender quem efetivamente são os árabes no cenário atual?

Vimos até agora, como é estreita a associação entre religião islâmica e mundo árabe, embora seja impossível tratar muçulmanos e árabes como sinônimos, especialmente após tantos séculos desde o surgimento dessa fé. De fato, o Islã nasceu na chamada Península Arábica, a qual foi unificada[6] pelo Califa Omar no ano 634, seguida pela conquista de Damasco, na Síria, que culminou com a vitória dos árabes sobre os bizantinos no Vale de Iarmuk (SALINAS, 2009, p. 234).

O contato direto dos árabes islamizados com as grandes civilizações da Antiguidade – gregos, romanos, persas e bizantinos – modificou a identificação puramente étnica do islamita, de maneira que todos eram reputados árabes, independentemente de sua nacionalidade. Bastava a filiação religiosa e a adoção da língua árabe para completar a transformação (idem, p. 113).

Ainda segundo Salinas (p. 53), o islamismo propunha unificar os árabes de um ponto de vista religioso e, inevitavelmente, propiciar a formação de unidade política. Não havia, porém, um “propósito de submeter outros povos à religião muçulmana, compelindo-os pela força”, e muito menos o objetivo de aniquilar a civilização dos povos com quem tiveram contato durante o período de expansão do Islã e de quem assimilaram muitos dos conhecimentos posteriormente difundidos naquele grande império. O autor acrescenta também que, embora islamismo e política não fossem concomitantes desde o primeiro século da conquista, “é exponencial anotar que, excetuada a Península Ibérica, a religião islâmica permaneceu firmemente implantada no solo onde consolidou a sua presença”. Neste sentido, seria impossível falar sobre a presença árabe em diversos povos sem levar em conta as intersecções culturais experimentadas especialmente no período de ascensão do Império Islâmico.

 

Notas:

[1] A Arábia é uma península da Ásia Ocidental, próxima da África. Limita-se a noroeste com a Palestina, ao sul com o oceano Índico, a leste com o golfo Pérsico e a oeste com o mar Vermelho.

[2]Guide to Arab Culture: Health Care Delivery to the Arab American Community. Documento publicado em 1999 pelo Arab Community Center for Economic and Social Services, nos Estados Unidos da América. Disponível em: http://www.accesscommunity.org/site/DocServer/health_and_research_cente_21.pdf. Acesso em: 24 jul. 2013.

[3] O percentual de muçulmanos no mundo está previsto para atingir um quarto da população mundial até 2020. (ALVES, 2010) Disponível em: http://www.ufjf.br/ladem/2010/04/13/transicao-demografica-nos-paises-islamicos-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/. Acesso em: 24 jul. 2013.

[4] Ao longo da pesquisa realizada entre 2011 e 2014, e que será apresentada no capítulo 4, essa reflexão foi recorrente, tanto nas entrevistas feitas com árabes e descendentes, quanto nas discussões observadas na página Presença Árabe no Brasil, criada especificamente como ambiente virtual que possibilitasse maior contato com a comunidade árabe no Brasil.

[5] República Federal Islâmica das Comores, também conhecido como Ilhas Comores.

[6] Do ponto de vista político, até o século VI, os árabes se organizavam de forma descentralizada, e a região era dividida em tribos, que até então jamais haviam se consolidado em torno de uma instituição política unitária.

A presença árabe no Brasil pela via da imigração

[…] a imigração árabe para o Brasil sofre dos mesmos problemas em relação a outros grupos migratórios do país, mas é ainda mais agravado pela própria definição e identificação de quem são, quantos são e onde estão os indivíduos que fazem parte desse grupo genericamente chamado árabe ou ainda “turco”. Nos censos demográficos brasileiros, esse grupo imigrante foi enquadrado no termo genérico “outras nacionalidades” ou na categoria de “vários”. Quando referidos em suas nacionalidades a confusão é grande, pois recebem diferentes denominações: árabes, turcos, turcos-árabes, sírios-libaneses, sírios e libaneses, sírios-libaneses “não turcos”. Embora sírios e libaneses tenham sido a grande maioria dentre os povos de origem árabe que para cá vieram, essa ampla e confusa generalização desconsiderava a presença de outros grupos menores como egípcios, palestinos, iraquianos, marroquinos. Além disso, diluía sua importância numérica em relação a outros grupos de maior expressão, levando também ao problema da análise estatística, pois os dados não coincidem e em um mesmo censo foram usadas duas ou mais categorias. (OSMAN, 2009)[7]

É possível tomar o decreto de 25 de novembro de 1808, de D. João VI, como um importante ponto de partida para investigações acerca do tema da imigração para o Brasil, pois aos estrangeiros lhes fora concedido o acesso à propriedade de terra. Pouco depois, já independente, o país atraiu imigrantes de distintas nacionalidades, sendo que em alguns casos os fluxos migratórios contaram com o apoio e subsídios do governo brasileiro. Em 1818, era assinado o Tratado de Colonização, que marca, segundo Seyferth (2007, p. 14), “o início do processo de colonização com imigrantes europeus, depois da independência, voltado, principalmente (mas não exclusivamente), para a ocupação de terras devolutas no sul do país”.

O fenômeno da imigração para o Brasil alcançou seu apogeu entre meados do século XIX e as primeiras décadas do século XX e, muito embora estudos apontem que a presença dos imigrantes árabes e de outras nacionalidades proporcionou uma espécie de pluralismo étnico e cultural no país, argumenta-se (LESSER, 2001) que era evidente a preferência das elites em relação à vinda de europeus – pois acreditavam que seu ingresso contribuiria para uma espécie de transformação social.

Segundo o historiador Jeffrey Lesser, “a partir de cerca de 1850, quando se tornou claro que a escravidão não perduraria por muito tempo, a imigração passou a desempenhar um papel central nas políticas públicas”. Dados dão conta de que entre 1872 e 1949, para cerca de quatro milhões de migrantes europeus ingressos no Brasil, pouco mais de 400 mil eram classificados, de acordo com as estatísticas da época, como asiáticos, árabes ou judeus (LESSER, 2001). Cabe acrescentar ainda que no século XX, a necessidade de mão de obra para a indústria passou a ser determinante para o incremento dos processos migratórios, o que ocasionou também a vinda espontânea de determinados grupos.

Apesar do empenho do governo imperial – que até o final da década de 1870 utilizou o trabalho de agenciadores (contratados para trazer imigrantes da Europa, recebendo pagamento per capita, calculado de acordo com a idade e o sexo) e aprovou, por decretos, muitas propostas de núcleos coloniais apresentadas por empresas particulares (indicadores do interesse pela ocupação territorial) – a imigração em massa só ocorreu na República, especialmente no período entre 1887 e 1914, quando aportaram no Brasil quase três milhões de imigrantes. (SEYFERTH, 2007, p. 21)

Antes do fenômeno dos grandes fluxos migratórios para o Brasil, ainda no período compreendido como “Brasil Colônia”, eram proibidos de entrar no país os chamados “heréticos”, denominação dada aos muçulmanos e judeus. Importante ressaltar que, no entanto, naquela época era comum permitir e tolerar a existência de “cristãos novos” e até mesmo “marranos”, ou seja, pessoas recém-convertidas ao cristianismo e cristãos que secretamente ainda mantinham sua outra religião – respectivamente. Já após 1822, com a independência do Brasil em relação a Portugal, permitiu-se a prática de outras religiões cristãs não católicas. Mas, ainda assim, registrava-se entre a população nativa um grande desafeto em relação aos estrangeiros (LESSER, 2001). No entanto, esta tensão ficaria ainda pior quando, em 1889, o primeiro decreto do governo já na condição de República, proibiu terminantemente a entrada de asiáticos e africanos. Essas medidas repercutiram em debates entre intelectuais e políticos sobre a questão da imigração e seu “projeto” de recriação do Velho Mundo no Novo, sobre questões raciais e o projeto de consolidação da nação.

De acordo com Truzzi (2000, p. 316), entre 1880 e 1930, a maior parte de sírios e libaneses que se deslocavam em direção à América aportava nos Estados Unidos. No Brasil, sua chegada se acentua às vésperas do século XX, atingindo seu auge no período que antecede a Primeira Guerra Mundial. Após um período de interrupção no processo migratório durante a guerra, o fluxo é retomado por volta de 1920, voltando a decair no início da década seguinte.

Muito embora o ambiente social e político brasileiro não tenha promovido declaradamente a vinda de determinados povos, a história do Brasil foi marcada pela chegada espontânea e sistemática de árabes – em sua maior parte sírios e libaneses – para o país. Não apenas isso, mas estudos têm indicado que tal processo foi marcado por uma bem-sucedida integração à cultura local, do ponto de vista da ausência de registros significativos de situações de conflitos sociais provocados por questões étnicas. Pelo contrário. Segundo a arabista Claude Fahd Hajjar (2014), “o Brasil foi o país que sediou e possibilitou a profícua produção das letras árabes. Constatamos a existência de mais de 140 jornais e revistas e mais de 300 jornalistas, até o ano de 1949”. Ademais, o fluxo foi tão intenso que, atualmente, sabe-se que a maior colônia libanesa fora do Líbano se encontra no Brasil.

Estima-se que entre árabes e descendentes, o Brasil conte atualmente com mais de 6 milhões de pessoas, embora seja importante salientar que esta estimativa é bastante imprecisa e varia fortemente, chegando ao número de 14 milhões, a depender da fonte consultada. De acordo com Zaidan (2001, p. 95), “segundo pesquisas, nas Copas do Mundo de Futebol, depois do próprio brasileiro, os libaneses formam a maior torcida pelo time do Brasil”. [8]

A vinda dos árabes, iniciada mais precisamente em 1871, fez-se tradicionalmente com moradores do campo, lavradores ou proprietários de terras. Além do mais, diferentemente das levas migratórias italianas, espanholas e portuguesas, cuja chegada era acompanhada por uma expectativa de se “mudar a composição social do Brasil, os sírios e libaneses vieram por conta própria e sem alarde” (LESSER, 2001).

Merece menção, ainda, o fato de que Dom Pedro II foi um grande admirador da literatura e da cultura árabe, e chegou a ter contato com a língua árabe no Brasil ao estudar com um arabista alemão. Sabe-se que o Imperador esteve no Líbano acompanhado de sua esposa e de uma comitiva com aproximadamente 200 pessoas entre 11 e 15 de novembro de 1876. De acordo com informações do Arquivo Histórico de Estrasburgo – França, o Imperador escreveu ao seu amigo, o diplomata francês Joseph Gobineau: “Tudo vai bem… A partir de hoje começa um mundo novo. O Líbano ergue-se diante de mim com seus cimos nevados, seu aspecto severo, como convém a essa sentinela da Terra Santa…”. [9]

As obras mantidas pelo imperador brasileiro em seu acervo pessoal, no idioma árabe ou sobre os árabes, atualmente fazem parte da coleção da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro e foram catalogados pelo pesquisador e professor João Baptista Vargens, resultando no livro “D. Pedro II, o primeiro arabista do Brasil?”, lançado em 2013 pela editora de Vargens, a Almádena, especializada em livros sobre a temática árabe.

De acordo com PINTO (2005), os primeiros imigrantes eram de maioria cristã (maronitas, ortodoxos e melquitas[10]) e eram originários de países árabes do Oriente Médio, em especial Líbano, Síria e Palestina, embora, naquele momento tais países não existiam como tal. [11] Segundo Montenegro (2009), a identidade de origem estava configurada em relação às religiões professadas nas aldeias de onde vinham os imigrantes, sendo que a maioria era composta por cristãos, que tentavam se afastar do jugo otomano[12]. As primeiras duas décadas do processo migratório foram consideradas pelos chegados como algo temporário. As cartas enviadas a seus familiares e o próprio retorno de alguns imigrantes tão longo conseguiam reunir uma quantidade satisfatória de capital demonstram que o objetivo inicial dessas pessoas era melhorar a situação de suas famílias na terra natal, ainda que muitos tenham ficado no Brasil. A autora divide os fluxos migratórios da seguinte forma: a década de 1880 corresponde à chegada dos primeiros imigrantes árabes, ainda que a partir de 1900 a imigração tenha sofrido um declínio, para depois se intensificar no período entre 1914 e 1940. Após a segunda grande guerra, o processo migratório recomeça e, já entre 1975 e 1990, observa-se um novo fluxo, o qual se mantém ativo até o momento presente.

Gattaz (2012), em estudo específico sobre a presença libanesa no Brasil, divide, por sua vez, quatro momentos da imigração originária desse país. O primeiro deles vai de 1880 a 1920 e é marcado por cristãos que tentavam escapar do domínio otomano, grande parte caracterizada por uma população rural. A segunda etapa corresponde ao período entre guerras 1920 e 1940. Nessa ocasião, vieram não apenas cristãos, mas também muçulmanos que buscavam melhorar suas condições de vida. A terceira etapa é aquela entre 1940 e 1975, já com o Líbano independente e uma população motivada em deixar suas terras devido à depressão econômica pós-segunda guerra mundial, mas também devido aos conflitos de ordem religiosa e política. Por fim, a quarta etapa inicia-se em 1975 e estende-se até o início do século 21, e está vinculada à Guerra Civil no Líbano e à ocupação de territórios por parte de Israel. Nesse caso, nota-se uma predominância de imigrantes muçulmanos sunitas e xiitas, embora também tenham vindo alguns cristãos.

Para Hajjar (1985), o deslocamento dos árabes para o Brasil é frequentemente registrado em duas grandes etapas, sendo que cada uma delas foi formada por diferentes levas migratórias. A primeira teria se iniciado por volta de 1860/1870 e terminado com o início da Segunda Guerra Mundial. Dentro desse período, são percebidos três fluxos: de 1860 a 1900; de 1900 a 1914, e de 1918 a 1938. Já a segunda etapa, cujo início se deu em 1945, continua até os dias atuais. Nesse segundo momento, são identificadas outras três levas imigratórias, que dão sequência aos fluxos anteriores. São elas: de 1945 a 1955; de 1956 a 1970, e, por fim, a última leva, que teve início por volta de 1971 e prossegue ainda hoje.

De modo geral, a principal diferença entre as duas grandes etapas do processo migratório árabe para o Brasil é que a primeira foi marcada por imigrantes cristãos majoritariamente sírio-libaneses que teriam deixado suas terras por causa do domínio otomano, enquanto que a segunda teve início após a segunda grande guerra e é composta por grupos mais heterogêneos – cristãos e muçulmanos oriundos de um maior número de países árabes. Convém lembrar que em comum entre as diferentes levas migratórias, pode-se citar o fato de que essa imigração está pautada pela espontaneidade, ou seja, não houve nenhuma participação direta do governo ou de outras forças que promoveram esse fluxo. Tal fenômeno é explicado em razão de que durante muitos anos seria impossível que os governos dos países árabes participassem de algum acordo, uma vez que seus Estados conquistaram sua soberania após a segunda grande guerra.

Importante acrescentar, ainda, que a partir da quinta leva migratória, que teve início poucos anos antes da década de 1960, destaca-se uma significativa entrada de palestinos, os quais se instalaram, de modo geral, em cidades distintas daquelas que anteriormente haviam recebido boa parte dos imigrantes anteriores. O sul do país destacou-se como uma nova rota, sendo Foz do Iguaçu o mais recente e principal ponto de atração, especialmente de famílias muçulmanas. Esse movimento foi reforçado na década seguinte, quando teve início a sexta e última leva migratória, que se assemelha à anterior – exceto pelo fato de que, a partir dos anos 1970, muitos atos revolucionários de guerrilheiros palestinos iniciaram-se por todo o mundo – alterando sobremaneira a inserção do árabe nos países para os quais migravam.

A literatura acerca da história da imigração árabe para o Brasil aponta para novas levas migratórias ocorridas após a década de 1970, as quais foram marcadas por outras características, diferentes das anteriores. No caso dos imigrantes que procediam principalmente do Líbano, cabe ressaltar que, inicialmente, deixavam seus países devido à guerra civil no país (1975-1990). Já o deslocamento palestino tem relação profunda com as políticas de ocupação israelense aplicadas em Gaza e na Cisjordânia.

O Brasil foi um dos países de destino para muitas famílias e é importante salientar o fato de que, ao chegarem, já encontraram comunidades árabes preexistentes arraigadas e com suas próprias percepções comuns sobre imigrantes, o que gerou uma nova dinâmica social e cultural. Ademais, ao contrário dos seus predecessores da primeira metade do século XX, os novos imigrantes, que marcaram presença após 1970, eram em sua maioria muçulmanos, muitos xiitas – especialmente os do sul do Líbano – porém, a maior parte sunita.

Entretanto, de acordo com o coordenador de pesquisa de pós-graduação em Antropologia e do Núcleo de Estudos sobre o Oriente Médio da Universidade Federal Fluminense, Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto (PINTO, 2009), além do aspecto religioso, observa-se a existência de outros fatores de diferenciação com relação às primeiras levas migratórias. Um deles caracteriza-se pelos vínculos escassos com suas regiões de origem mantidas pelos primeiros, sendo que tais laços iam se enfraquecendo conforme sua inserção na sociedade brasileira (por meio de casamentos, amizades, mobilidade social, entre outros fatores). Por outro lado, os imigrantes árabes recentes parecem ter preservado os vínculos com seus países de origem, aspecto este que foi muito favorecido pelas facilidades tecnológicas das últimas décadas, que permitem a comunicação de forma rápida e imediata, além das facilidades para viajar, entre outros aspectos.

Consequentemente, a dinâmica de negociação e construção das identidades árabe e brasileira experimentou importantes mudanças que exigem uma revisão crítica do velho modelo de “integração cultural”, se segundo este antigo modelo, os imigrantes e seus descendentes deviam renunciar a seus traços culturais distintivos para abraçar a identidade local, a observação empírica da realidade atual mostra um complexo processo de hibridação cultural e construção de identidades múltiplas e mobilizadas alternativamente dependendo da situação concreta. (PINTO, 2009, p. 193)

No tocante à ocupação dos imigrantes árabes, o comércio e a venda ambulante (cuja atividade passou a ser associada aos mascates) lhes permitiu ocupar um importante papel na vida econômica brasileira, seja em meio urbano ou rural. Vilela (2011, p. 160) chama atenção para o fato de que a grande maioria dos sírios e libaneses que deixavam seus países em direção à América eram homens, solteiros, com a determinação de alcançar riqueza e retornar à terra natal. Nesse sentido, a atividade de mascate, embora demandasse bastante esforço físico, era uma boa opção de ocupação para esses imigrantes que, em virtude de chegarem desacompanhados, podiam viajar por longos períodos pelo interior do país, além de permitir que fossem autônomos, o que facilitaria, em última instância, “o posterior retorno ao país de origem, pois, sem contratos, não tinham acordos a cumprir”. (idem)

Cabe acrescentar que a presença árabe nas redes comerciais por eles construídas foi fator deveras importante para a integração da economia nacional, ligando lugares mais afastados, dispersos no vasto interior do Brasil. Estudos realizados por Truzzi (1997) e Safady (1994), entre outros, apontam que os sírios e libaneses vieram com a intenção de se dedicar a atividades propícias à obtenção de lucros rápidos, com os quais eles pretendiam retornar às suas terras de origem. Em outras palavras, os árabes que se voltaram para o Brasil não buscavam as fábricas ou as propriedades agrícolas, tendo se dedicado, em grande parte, ao comércio e às pequenas indústrias (HAJJAR, 1985). Esse desejo esteve presente durante todos os movimentos de adaptação e todos os passos de construção da sua vida neste país.

A prática mais recorrente era a de que, tão logo os mascates conseguissem acumular recursos financeiros, compravam um burro de carga para que pudessem deixar de viajar a pé. Em seguida, iam acomodando-se pelas cidades do interior, especialmente aquelas onde houvesse freguesia que lhes possibilitasse estabelecer um pequeno negócio. Já com as lojas próprias, era comum que continuassem a vender produtos semelhantes àqueles que costumavam mascatear, ou seja, de tudo um pouco. Famosos armarinhos, lojas de tecido e ferragens nas pequenas cidades pertenciam a sírios ou libaneses.

Sírios e libaneses concentraram-se, principal mente, nas capitais dos estados da região sudeste do país. Além disso, estabeleciam seus negócios em locais específicos das cidades. Em São Paulo, na rua 25 de Março; no Rio de Janeiro, próximo à Praça Tiradentes; e, em Belo Horizonte, na rua dos Caetés. Esses são locais estratégicos, como notado por Knowlton (1960), porque ligam o centro da cidade diretamente às estações de trem e/ou rodoviárias, “assegurando constante passagem de potenciais consumidores”. (HAJJAR, 1985, p. 161)

Ainda que exista alguma dificuldade em se analisar os dados estatísticos da época devido às suas imprecisões e interrupções nos registros, é possível afirmar que o período de maior fluxo migratório árabe, especialmente sírio-libanês, foi entre 1920 e 1930 (CAMPOS, 1987), tendo o estado de São Paulo se destacado como principal centro de absorção de imigrantes – calculado entre 38,4% e 49,0% do total, respectivamente.

Knowlton (1955), Hajjar (1985), Souza (2002), Koraicho (2004) em seus respectivos estudos apontam a concentração árabe na região central de São Paulo, mais especificamente na 25 de Março e em suas adjacências como Ladeira Porto Geral, e as ruas Cav. Basílio Jafet, Comendador Abdo Schahin, Barão de Duprat, Afonso Kherlakhian (antiga Pagé), Senador Queiróz, Carlos de Souza Nazaré (antiga Anhangabaú), entre outras que compõem o cenário geográfico do local. Tal região é apontada e ainda hoje identificada na cidade como a “rua dos árabes” a despeito das transformações ocorridas, revelando uma forte vinculação identitária. Tal identificação levou, inclusive, à criação em 2008 pelo Senado Federal, do Dia Nacional da Comunidade Árabe no Brasil a ser comemorado no dia 25 de Março. (OSMAN, 2009, p. 3)

A importância da cidade de São Paulo como principal receptora de imigrantes sírios e libaneses no Brasil, no século XX, tem sido ressaltada em diversos estudos e publicações acerca do tema, com destaque para a Rua 25 de março, cujo nome também deu origem à data escolhida para se comemorar o dia oficial da comunidade árabe no Brasil. Em torno dessa data, já se percebem alguns eventos importantes sendo realizados no país, como o Festival Sul-Americano da Cultura Árabe (SACA)[13], organizado pela Biblioteca e Centro de Pesquisa América do Sul-Países Árabes, que, em 2014, realizou sua quinta edição.

Também em 2014, foi lançado pela Câmara de Comércio Árabe-Brasileira em parceria com o Instituto da Cultura Árabe o concurso Os Árabes e a 25 de Março, que tem o propósito de estimular a produção de filmes de temática árabe, preservar e difundir a memória da comunidade árabe no Brasil e aprofundar o debate sobre essa cultura, que possui papel central na formação do processo identitário do país. [14] Merece menção ainda, o fato de que na região da 25 de Março várias ruas tiveram seus nomes alterados e receberam denominação de pessoas da comunidade árabe no Brasil, reforçando a identidade da área. (KHOURI, 2013)

Logo após São Paulo, o estado de Minas Gerais foi o segundo a receber maior contingente de sírio-libaneses, seguido do Rio de Janeiro. E seguiu notória sua forte presença no comércio varejista também nesses estados. Também na Amazônia, a presença do imigrante árabe foi de fundamental importância, especialmente no período referente ao chamado “Ciclo da Borracha”.

As profundas raízes árabes no Brasil também já foram objeto de estudos e artigos dentro e fora do país. Como exemplo, pode-se citar uma matéria publicada pelo The Washington Times em julho de 2005, cita uma entrevista com o presidente da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, Antonio Sarkis, que afirma haver no Brasil a maior população árabe fora do Oriente Médio, ultrapassando, entre descendentes e imigrantes, a cifra de 10 milhões de pessoas. [15] Outros pesquisadores, como, por exemplo, Claude Hajjar (2014), afirmam que este número é ainda maior, chegando a 18 milhões, se considerados os imigrantes árabes e seus descendentes.

Como é sabido, o Brasil possui uma importante comunidade árabe formada em diversas levas migratórias desde o século XIX e que se intensificaram recentemente devido aos conflitos e instabilidade política no Oriente Médio, como a Guerra Civil Libanesa (1975-1990), o conflito Palestino-Israelense (desde 1948) e a violência decorrente da invasão Anglo-Americana do Iraque em 2003. Estimativas extra-oficiais apontam para cerca de 6 milhões de árabes e descendentes no Brasil. A comunidade árabe no Brasil tem um alto grau de integração na sociedade brasileira ao mesmo tempo que muitos dos seus membros mantêm uma identidade étnica ligada a instituições comunitárias (clubes, associações culturais ou instituições religiosas) e a laços transnacionais baseados em deslocamentos, relações de parentesco e imaginários sociais orientados para o “local de origem”, real ou imaginário, no Oriente Médio. (PINTO & MONTENEGRO, 2011)[16]

 

Esse número, se tomado para toda a América Latina, seria ainda muito maior. Apesar da importância que possui a presença árabe nessa região, estudos realizados sobre o tema seguem sendo escassos (AKMIR, 2009). Os poucos trabalhos que existem se limitam, segundo levantamento feito pelo autor, a cobrir determinados países, salvo um estudo editado pela UNESCO em 1997, organizado por Raimundo Kabchi, analista político do Instituto de Estudios Diplomáticos Pedro Gual (IAEDPG), do Ministério de Relações Exteriores da Venezuela, e que abarca a presença das colônias árabes em 14 países latino-americanos. Akmir também elenca um conjunto de causas e tramitações da emigração árabe para a América Latina que merecem ser citadas:

  1. Causas socioeconômicas (no início do processo migratório, observava-se a decadência das tradicionais estruturas econômicas do império otomano do qual dependiam a Síria, Líbano e Palestina, países de procedência da maioria dos árabes na América Latina. Tal decadência foi uma oportunidade para que as potências europeias pudessem influenciar decisivamente no controle econômico e político do império otomano, sobretudo quando foi declarada a sua “falência” em 1878, diante da sua incapacidade de pagar a dívida externa que havia acumulado. Diante desse contexto, o governo turco implementou uma política austera, que tornou ainda mais aguda e precária a situação econômica das províncias árabes, tanto urbanas quanto rurais);
  2. Causas religiosas (o aspecto religioso influenciou sobremaneira a migração árabe);
  3. Causas culturais;
  4. Causas políticas: o começo da imigração árabe na América Latina coincide com as mudanças políticas observadas dentro do império otomano.

Interessante mencionar que o número de árabes no Brasil, durante o primeiro tercio do século XX, era muito superior quando comparado a outros países latino-americanos. Por exemplo, em 1926, havia 162 mil árabes vivendo em solo brasileiro, ao passo que na Venezuela e na Colômbia havia pouco mais de três mil em cada país. Cabe observar que havia mais imigrantes oriundos desses países no Brasil do que na Argentina, que também recebeu uma quantidade significativa de árabes (64 mil em 1914). Consequentemente, é muito difícil avaliar o peso quantitativo das comunidades árabes nesses países, haja vista que essas comunidades são formadas atualmente por descendentes, já considerados cidadãos latino-americanos, sem qualquer vínculo jurídico com os países dos seus antepassados.

A falta de estatísticas fidedignas tanto em países de saída como de entrada, e de estudos estatísticos especializados, nos obriga a fazer uso de estimativas que nem sempre cumprem com o rigor científico desejado. (AKMIR, 2009, p. 21)

Em que pese a dificuldade em quantificar efetivamente essa presença pela via da migração, seja na América Latina, seja especificamente no Brasil, não raro os árabes são mencionados na literatura brasileira como elemento integrante da nossa sociedade. Muitas vezes citados como personagens centrais de narrativas fictícias ou de fundo histórico, ainda que algumas vezes sejam descritos na forma caricaturada – o fato é que importantes escritores incluíram sírios, libaneses e “turcos” em suas obras e essa presença também nas obras literárias brasileiras não poderia passar despercebida.

Se contemporâneos, tal Milton Hatoum, Alberto Mussa, Raduan Nassar ou Bernardo Carvalho, dentre outros, inauguraram a tematização do imigrante árabe na literatura nacional, Jorge Amado não fugiu à regra: não é tema novo em suas obras, e inúmeros trabalhos têm-no revelado. Convém, no entanto, esclarecer que no romance A descoberta da América pelos turcos o autor propõe ao leitor um novo olhar sobre a figura do migrante: afastando-se do estereótipo, ele retrata de maneira positiva até os estigmas mais comuns aos árabes como a avidez no comércio ou ainda a poligamia. Ele apresenta a cultura árabe como sendo um dos componentes do amalgama cultural que caracteriza a população brasileira. (GARCIA, 2014)

A professora de literatura portuguesa pela USP, Marlise Vaz Bridi, em artigo intitulado Entre o real e o cultural chama atenção para essa questão. Segundo ela, “a cultura árabe, independente de modismos recentes, tem presença marcante na ficção brasileira contemporânea”. [17] Dentre o conjunto de obras mencionadas pela autora, podemos citar: Lavoura Arcaica (1975) de Raduan Nassar, Relatos de um Certo Oriente (1990) e Dois Irmãos (2000) de Milton Hatoum, O Enigma de Qaf (2004) de Alberto Mussa, além dos escritores Leon Eliachar, Jorge Medauar, Jorge Tufik, Jorge Tanure, Salim Miguel, João Batista Sayeg, Júlio Cesar de Melo e Sousa (que, embora não fosse árabe, marcou a literatura brasileira ao adotar o pseudônimo de Malba Tahan, para publicar livros voltados, em sua maioria, para transmissão de ensinamentos matemáticos. Provavelmente a sua obra mais famosa seja O Homem que Calculava, escrito em 1938 e que já passou de sua 80ª edição).

Vale lembrar também do romance Noite Grande, de Permínio Asfora, escrito em 1944, publicado no ano seguinte e reeditado pela BibliASPA (2012). Uma obra que trata sobre as tragédias enlaçadas de dois povos: o palestino e o nordestino, e abarca a dolorosa convivência dos momentos mais dramáticos da existência do pai palestino – aqueles que precederam a longa noite, a noite grande que cairia sobre sua terra e de seus ancestrais.

Villar (2008), que dedicou sua pesquisa de mestrado à presença árabe nas obras de Jorge Amado e Milton Hatoum, também chama atenção para o fato de que, Jorge Amado, ao privilegiar a presença árabe, em meio à sua construção identitária do Sul da Bahia:

inaugurou um caminho estético, marcado pela ausência de estranhamento e por uma perspectiva de mão dupla, que ora realça o agudo sentimento árabe de pertencimento à nossa terra, com a correspondente e efusiva aprovação das personagens brasileiras, o que só é possível graças ao apagamento das diferenças e ao realce das similaridades culturais entre nós e os árabes; ora o caminho em que, numa estratégia claramente mais complementar, tanto o árabe quanto o brasileiro reconstroem, solidariamente, o espaço nacional, como se verifica, hoje, em Milton Hatoum. (idem, p.47)

 

[7] Artigo publicado pelo Instituto de Cultura Árabe ICArabe em 2009. Disponível em: http://www.icarabe.org/artigos/registros-da-experiencia-na-historia. Acesso em: jan. 2014.

[8] Corroborando a informação dada por Zaidan, cabe mencionar que em 2014, na ocasião da realização do campeonato futebolístico no Brasil, diversos portais de notícia mencionaram a empolgação da torcida libanesa pelo time brasileiro. Disponível em: https://br.esporteinterativo.yahoo.com/fotos/jovens-libaneses-formam-torcida-pelo-photo-085302997.html e http://tvuol.uol.com.br/video/jovens-libaneses-formam-torcida-pelo-brasil-0402CC993668DC815326. Acesso em: jan. 2014.

[9] Disponível em: http://www.libano.org.br/libano_brasil_donpedro.htm. Acesso em: jan. 2014.

[10] “Os maronitas são ligados ao Vaticano, mas respeitam como principal autoridade o patriarca maronita, baseado no Líbano. A liturgia é em siríaco. Os melquitas são católicos que seguem um rito próprio. Os ortodoxos seguem a Igreja Ortodoxa da Grécia e da Síria”. (CHACRA, 2005)

[11] A Síria só viria a se tornar independente em 17 de abril de 1946, e o Líbano, em 22 de novembro de 1943, embora as tropas francesas tenham se retirado três anos depois.

[12] No Brasil, associar turcos e árabes tornou-se comum devido ao fato de que entre o final dos anos 1800 e no início dos 1900, muitos imigrantes oriundos de países como Síria e Líbano chegaram com passaportes do Império Otomano. Como o Presidente da Associação Cultural Internacional Gibran, falecido em 2013, Mansour Chalita esclarece, após o Oriente Médio ter sido ocupado entre os séculos XII e XIII pelos turcomanos oriundos da Ásia, teve início o Império Otomano, que durou oito séculos ininterruptos, até o fim da Primeira Guerra Mundial. A região conheceu um período de tirania e miséria e, em 1860, os turcos incitaram conflitos religiosos os quais culminaram com o massacre de muitos libaneses cristãos, o que fez com que muitos evacuassem a região montanhosa do Líbano, de maioria cristã, e que foi declarada zona autônoma do Monte Líbano. Ainda que, após a Primeira Guerra Mundial, o Império Otomano tenha visto as partes do seu território serem desmembradas, a República da Turquia ter sido fundada em 1923 e por meio de tratados como Sevres e Lausanne, as fronteiras daquela região tenham sido redefinidas, diversos países árabes que obtiveram sua independência naquela ocasião, logo em seguida se tornaram colônias de países europeus. Ademais, por não haver uma vinda expressiva de turcos, não se observou um esforço em esclarecer esse equívoco. Ainda nos dias atuais é comum encontrar brasileiros que chamam árabes e, às vezes, também armênios e judeus, de turcos.

[13] Disponível em: http://festivaldaculturaarabe.wordpress.com/. Acesso em: set. 2014.

[14] Disponível em: http://www.curta25.com.br/. Acesso em: set. 2014.

[15] Disponível em: http://p.washingtontimes.com/news/2005/jul/11/20050711-092503-1255r/?page=all. Acesso em: jan. 2014.

[16] Trabalho apresentado na 26ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 01 e 04 de junho, 2011. Porto Seguro, Bahia, Brasil. Disponível em: http://www.abant.org.br/conteudo/ANAIS/CD_Virtual_26_RBA/foruns_de_pesquisa/trabalhos/FP%2002/FP02%20As%20comunidades%20mu%C3%A7ulmanas%20na%20Triplice%20Fronteira….pdf. Acesso em: ago. 2014.

[17] Disponível em: http://www.mackenzie.com.br/fileadmin/Pos_Graduacao/Doutorado/Letras/Publicacoes/Artigo_MarliseVazBridi_Entre_o_real_e_o_cultural.pdf. Acesso em: set. 2014.

A presença árabe no Brasil pela via da herança ibérica

A expressividade da imigração árabe para o Brasil pode ser vislumbrada por meio das palavras do professor honorário do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), falecido em março de 2012, o geógrafo Aziz Nacib Ab’Saber: “no conjunto atual da população brasileira, existe um representante do mundo árabe para cada 150 brasileiros, e mais dois descendentes para igual número de nacionais. (FUNDAG, 2000)

Entretanto, mergulhando um pouco mais a fundo na possível influência dos povos árabes na cultura brasileira, percebe-se que falar sobre essa presença é ir muito além de censos e registros de fluxo migratório.

O ponto de partida de nossos vínculos é anterior ao estabelecimento de relações diplomáticas entre Brasil e Egito, ou às viagens do imperador Dom Pedro II ao Líbano. Suas origens situam-se mesmo antes do fluxo migratório de sírios e libaneses desde as últimas décadas do século XIX. Na verdade, a mentalidade, a arte, a técnica e a cultura material árabes estão presentes desde a gênese ibérica do Brasil colônia. (CHOHFI, 2000) [17]

            E ainda:

Para o Brasil é provável que tenham vindo, entre os primeiros povoadores, numerosos indivíduos de origem moura e moçárabes, junto com cristãos-novos e portugueses velhos. (FREYRE, 2003, p. 256)

Segundo Abreu & Aguilera (2010), a longa permanência árabe na Península Ibérica, que se estendeu do século VIII ao século XV, bem como o “refinamento cultural dos muçulmanos em relação aos hispanos, visigodos e cristãos” (2010, p.8), fizeram com que uma série de traços culturais permanecessem na região peninsular, resultantes desse período de contato sociocultural, incluído, particularmente, o linguístico.

As primeiras incursões dos árabes na Europa se deram no Califado de Muawiya, primeiro Califa Omíada, sendo que as tentativas de ocupação de territórios começaram por volta de 710 na Península Ibérica, e 740, na ilha da Sicília e na Península Itálica. […] Foi na Espanha que os árabes obtiveram suas maiores e mais duradouras conquistas na Europa. […] O processo de arabização na Espanha foi tão intenso que, no século IX, o Arcebispo de Sevilha achou necessário traduzir a bíblia para o árabe, que seria usada pelos cristãos espanhóis, tal era a difusão da língua árabe na Península Ibérica. A palavra Moçárabe, que vem do árabe Mustarib (arabizante), era utilizada para designar os cristãos e judeus na Espanha que falavam árabe. (BELTRÃO, 2000, p.46, p. 48-50)

No século VIII, a Península Ibérica viu florescer uma civilização que se tornou um importante centro cultural, mantendo relações diplomáticas com os reinos cristãos, até mesmo com o Império Bizantino. Córdoba, Sevilha e Granada, outrora chamadas de Qurṭuba, Ishbiliya e Gharnāṭah, foram algumas das testemunhas de um período conhecido como al-Andalus e que se estendeu por quase 8 séculos na Península Ibérica. Para se ter uma ideia do quão próspero foi este período, vale mencionar que Córdoba passou a ser conhecida como “O ornamento do mundo”, epíteto dado por Roswitha de Gandersheim, poetisa de origem germânica, para quem o brilho daquele mundo e a luz que lançava ao resto do universo em pleno século X, transcendiam as diferenças religiosas.

No período das grandes navegações, o Novo Mundo assimilou parte da cultura árabe que havia sido trazida pelos espanhóis e portugueses, e hoje a sua influência é visível em traços do cotidiano. O café, por exemplo, foi introduzido pelos árabes na Europa, assim como o cultivo do arroz, alimento tipicamente chinês, mas que conquistou o resto do mundo pelos árabes. Igualmente na arquitetura sul-americana, é possível encontrar traços da cultura árabe trazida pelos ibéricos no uso dos azulejos decorativos, no chafariz, nos pátios floridos e nos detalhes em arabescos.

O Nordeste e os Gerais do Estado de Minas convivem com o efeito residual de oito séculos de dominação árabe na Península Ibérica, desde a Baixa Idade Média até a boca do Renascimento. Ou seja, enquanto os bisavós do Sr. Mazaropi eram educados pelos bárbaros cristãos, em todo o Velho Continente, a Península Ibérica (Portugal e Espanha) recebia uma sofisticada educação, com a cultura moçárabe. É que o povo árabe, naquele momento, era a sociedade mais culta do planeta. E encontramos esses oito séculos de cultura no sertanejo analfabeto. Seus antepassados chegaram ao Brasil nos séculos 16 e 17. No Nordeste e nos Gerais, empobreceram, tornaram-se analfabetos, mas tanto amavam a herança moçárabe dos avós que começaram a dançar cultura, cantar cultura, falar cultura. E a ler conceitos metafísicos nos eventos do dia-a-dia; a fazer pentimento, sobrepondo à dura paisagem nordestina chaves de conhecimento esotérico; e uma humorada Weltanschauung que sobrevive à miséria, estabelecendo eixos filosóficos na sintaxe de uma língua têxtil. [18] (Tom Zé, músico brasileiro)

Estudos sobre assuntos os mais variados, tais como a história de instrumentos musicais ou a origem de iguarias que fazem parte do cardápio do povo brasileiro revelam algumas curiosidades relacionadas a essa influência cultural. Entre elas, por exemplo, está a introdução de um instrumento de percussão africano de origem árabe ao samba, conhecido como adufe[19], um instrumento folclórico membranofone, de percussão, também chamado adufo. De origem moura, trata-se de uma espécie de pandeiro quadrado, sem os discos de metal, oco e de madeira leve, que se toca com os dedos, sustentado pelos polegares, e que aparece em festas tais como Folia-de-Reis, Folia-do-Divino, Congadas, entre outras.

Na alimentação, é possível recordar o alfajor (castelhano), um doce tradicional da Espanha, Argentina, Chile, Peru, Uruguai e outros países ibero-americanos, cujo nome vem do árabe al hasu, que significa recheado. Também o “alfenim”, doce encontrado no interior do Goiás, ou de alguns estados do Nordeste, definido por Luís da Câmara Cascudo como “uma massa de açúcar, seca, muito alva” em forma de animais, flores, cachimbos, peixes. Essa palavra vem do árabe al-fenid ou al-fanid, e significa branco ou alvo. Segundo Cascudo (Apud VALENTE, 1995, p. 141), o Alfenim foi muito popular em Portugal nos fins do século XV e princípios do século XVI, tendo sido citado em obras de Gil Vicente e de Jorge Ferreira de Vasconcelos.

A influência nos idiomas português e espanhol pode ser notada em uma infinidade de palavras, tais como açougue, tambor, arroba, cenoura etc. Cabe destacar que a grande maioria das palavras iniciadas por “al”, artigo definido na gramática do idioma árabe foi sendo incorporado por nossos antepassados. Como bem apontou Antônio Houaiss:

Na verdade, é Idade Média para o ocidental, mas, para o árabe, é o período de esplendor. Essa diferença explica, então, este fenômeno muito singular: num total de três mil a três mil e duzentas palavras do português primitivo, há, no mínimo, oitocentas palavras de origem árabe. Numa estatística verbal, contemporânea de então, é impressionante o acervo de palavras árabes que existiam vivas no português. Representam algo em torno de 25% do vocabulário da língua portuguesa primitiva. E essa estatística toma em conta, também, os vocábulos então recém-derivados. (HOUAISS, 1986).

Também Abreu & Aguilera (2010, p. 12) oferecem exemplos “facilmente observáveis” no vocabulário de origem árabe.

Alguns vocábulos possuem x- inicial, como é o caso de: xá, xadrez, xairel, xaque, xará, xarque, xeique, xerife, xarifa, xaroco, xarofa, xarope, xaveco, xeique, xiita etc, e influenciaram os representantes de numerosos termos latinos com ex-, como: enxame, enxuto, enxada, enxó, enxugar, enxúndia e enxofre. Outros vocábulos iniciam com enx-, como os seguintes: enxaqueca, enxadrez, enxarope, enxávena, enxeco, enxoval, enxovia etc. Um grupo numeroso de vocábulos se caracteriza pela terminação, entre essas estão os termos que terminam com i-tônico: aleli, alfarqui, alizari, arabi, bafari, carmesi, garabi, haji, huri, javali, maçari, muçurumi, rafadi etc. Em muitos casos, o sufixo i- é transformado em il: adail, aguazil, alcil, alvazil, anafil, anil, arrabil, candil, cordovil, granadil, manchil, maravedil, marroquil etc. E há casos em que o sufixo i-muda para im: alabardim, alecrim, alfenim, alfolim, alfonsim, anexim, benjoim, borzeguim, cansim, carmesim, celamim, cetim, gergelim, haquim, jasmim, marfim, mirabolim, muslim, muezim, talim etc. Além desses, há casos de palavras que terminam em sílabas como afe, -afre, -efe ou -aque, que não são empregadas em final de vocábulos latinos. (idem, p. 12)

Truzzi (2007), em artigo sobre a presença árabe na América do Sul, lembra que ela já era realidade neste continente muito antes da imigração inaugurada ao final do século XIX. Segundo ele e outros pesquisadores, no Brasil, ela já se insinuava por meio de vínculos religiosos, ocasionada pelos africanos muçulmanos malês na Bahia escrava desde o século XVIII [20] (RIBEIRO, 2011). E ainda, antes disso, também pode ser identificada tal influência à época do início da colonização portuguesa tanto na língua, quanto na música, culinária, decoração e vestuário, para citar alguns exemplos.

Seja por sua profunda influência em Portugal, seja pela forte imigração no último século, a cultura árabe tem presença garantida na história e na sociedade brasileiras. Junto com os colonizadores, no século XVI, desembarcaram heranças de sua língua, música, culinária, arquitetura e decoração, técnicas agrícolas e de irrigação, farmacologia e medicina. É que os árabes dominaram por quase oito séculos a Península Ibérica. Significativamente, Granada, seu último reduto em solo europeu, foi conquistada pelos cristãos em 1492, mesmo ano em que Colombo chegava à América. (TRUZZI, 2009)

Em seus argumentos, Truzzi inevitavelmente remete o leitor a Gilberto Freyre, que, em 1933 ao publicar Casa Grande & Senzala, sinalizou para a importância do contato entre os portugueses e mouros durante a Idade Média, o que teria sido fundamental para que os lusitanos realizassem com sucesso a empreitada das grandes navegações.

A dualidade na cultura e no caráter dos portugueses acentuou-se sob o domínio mouro, e uma vez vencido, o povo africano persiste sua influência através de uma série de efeitos da ação e do trabalho dos escravos sobre os senhores. A escravidão a que foram submetidos os mouros e até moçárabes, após a vitória cristã, foi o meio pelo qual se exercem sobre o português decisiva influência, não só particular do mouro, do maometano, do africano, mas geral, do escravo. […] Sem a experiência moura, o colonizador teria provavelmente fracassado nessa tarefa formidável. (FREYRE, 2003, p. 285)

Em uma direção semelhante, ao publicar em 1936, Sobrados e Mucambos, Freyre deu sequência ao desenvolvimento de ideias apresentadas anteriormente, sobre o embate entre o Ocidente e o Oriente, no Brasil, durante o século XIX, mantendo sempre o argumento de que a cultura brasileira teria sido gerada a partir de uma matriz oriental de valores, hábitos e conceitos sobre o mundo. Em outras palavras, em sua obra é possível identificar um pensamento acerca de uma orientalidade e de um amouriscamento do Brasil.

Uma importante população muçulmana livre permaneceu, sobretudo, no sul lusitano reconquistado pelos senhores cristãos. Nas cidades, ela habitava as mourarias, como os judeus viviam nas judiarias. Mouros capturados no Mediterrâneo e trazidos de outras regiões da Península Ibérica trabalhavam igualmente como cativos em Portugal. O domínio da escravização do muçulmano levou a que, na língua portuguesa, mouro se tornasse sinônimo de cativo. (MAESTRI, 2006, p. 102)

A obra de Freyre permite reunir um conjunto de informações sobre como esta presença moura persistiu na vida íntima do brasileiro desde os tempos coloniais até os dias de hoje, a partir de sua permanência na Península Ibérica.

Através desse elemento moçárabe é que tantos traços da cultura moura e mourisca se transmitiram ao Brasil. Traços de cultura moral e material. […] Diversos outros valores materiais, absorvidos de cultura moura ou árabe pelos portugueses, transmitiram-se ao Brasil: a arte do azulejo que tanto relevo tomou em nossas igrejas, conventos, residências, banheiros, bicas e chafarizes; a telha mourisca; a janela quadriculada ou xadrez; a gelosia[21]; o abalcoado; as paredes grossas. Também o conhecimento de vários quitutes e processos culinários; certo gosto pelas comidas oleosas, gordas, ricas em açúcar. O cuscuz, hoje tão brasileiro, é de origem africana. (FREYRE, 2003, p. 298)

De forma semelhante, Câmara Cascudo (2001, p.15), também identificou traços da presença árabe na cultura brasileira. E, assim como Gilberto Freyre, optou pelo termo mouro ao invés de árabe, pois, segundo ele, sua intenção era falar sobre aquele que viajou para o Brasil na memória do colonizador e que aqui ficou. Segundo ele, a opção pelo uso da palavra mouro, ao invés de árabe ou sarraceno, deve-se ao fato de que este era mais constante na Península Ibérica:

[…] lembrando os berberes, mouros históricos, reinando na Espanha, vivos na recordação lusitana, Ifriqiya e Maghreb. No Brasil, árabe tomou-se genérico nas últimas décadas do século XIX com a emigração da Síria e do Líbano, nominal popularíssimo, inclusive com o falso sinônimo de turco, vendedor ambulante que seria também o regatão, familiar nos rios amazônicos. O sarraceno não se aclimataria no linguajar nacional.  (CASCUDO, 2001, p. 12)

 

Nessa direção, o folclorista recorreu aos costumes populares e à literatura para localizar traços da presença árabe na cultura brasileira. Segundo o próprio autor, “mais uma vez os meus Mouros e Judeus procuram olhos contemporâneos para avivar-lhes as distantes reminiscências imemoriais, inconscientes, vivas, atrás da cortina do passado”. (CASCUDO, 2001, p. 9)

Argumentava que o mouro fora expulso do Algarve duzentos e cinquenta anos antes da vinda portuguesa para o Brasil. E, na Espanha, a saída dos muçulmanos levou ainda mais tempo, tendo sido necessário aguardar até 1492 para que o reino de Granada se tornasse castelhano, mesmo ano em que Cristóvão Colombo daria início a sua jornada em direção ao Novo Mundo.

Tema que se faz presente em praticamente toda a obra folclórico-etnográfica e histórica de Câmara Cascudo, a alimentação popular, em sua “normalidade” ou “dias festivos”, traduz-se em matéria quase obrigatória do seu interesse investigativo. Além da constância no conjunto dos estudos cascudianos, ganham relevo suas obras devotadas exclusivamente ao tema, como A cozinha africana no Brasil. (AVIGNAC & OLIVEIRA, 2010)

Dentre os aspectos culturais que podem ser atribuídos aos mouros, está, entre outros, o de beber depois de comer (e não durante a refeição), sentar-se sobre as pernas dobradas (segundo ele, de cócoras era influência indígena) etc. Para Cascudo, a mulher botando pano na cabeça é costume mouro, assim como o uso de turbante em penteados femininos no Brasil. Em seu argumento, graças à longa convivência forjada por moçárabes, mudéjares e mestiços, tanto a língua espanhola quanto a portuguesa são fortemente tributárias do árabe.

Mouros livres viviam em Portugal, após a Reconquista, e judeus migraram para Portugal, desde a Espanha, após 1492. Em Portugal, mouros e judeus foram obrigados a converter-se, originando a população de cristãos-novos. Mouros cativos seguiram sendo introduzidos em Portugal, sendo superados pelos negro-africanos, em fins do século 15. Chamava-se de “mourisco” o mouro convertido livre, liberto e escravizado. A historiografia portuguesa pouco atenção deu às minorias históricas. O artigo comenta o importante livro de Isabel Braga, Mouriscos e cristãos no Portugal quinhentista: duas culturas e duas concepções religiosas em choque, que traça importante perfil da população mourisca, a partir da documentação da Inquisição. Analisa-se também a narrativa histórica da autora como registro das razões que ensejaram o silêncio historiográfico relativo sobre as comunidades luso-judaicas, luso-islâmicas e luso-africanas. (MAESTRI, Mario, 2006, p. 101)

Também é possível recuperar aqui a reflexão do poeta e crítico literário Manoelito Ornellas, o qual publicou, em 1948, o livro Gaúchos e Beduínos: a origem étnica e a formação social do Rio Grande do Sul. O argumento do autor nesta publicação está no fato de que, tanto portugueses quanto espanhóis, antes de povoarem a América, haviam sido fortemente influenciados pelos árabes, berberes e beduínos. E, finalmente, propõe que as raízes dos atuais habitantes da Região Sul se encontram na África do Norte.

Em estudo acerca da luta pela etnicidade no Brasil, o historiador americano Jeffrey Lesser apontou Gilberto Freyre e Luís da Câmara Cascudo como pensadores que estiveram entre o grupo de intelectuais os quais, no século XX, voltaram seus olhos para Portugal em busca de autocompreensão. Ainda que esta busca acerca de uma identidade nacional não tenha sido tarefa exclusiva de ambos os pensadores, Freyre e Cascudo estão entre os que mais contribuíram para a questão da presença árabe no Brasil ao procurarem traços da “presença moura em suas próprias identidades lusificadas”. (LESSER, 2001)

Ao olharem para Portugal com o intuito de compreender o Brasil do século XX, tais autores acabaram por reconhecer e apontar influências mais distantes, quais sejam, aquelas impregnadas na Península Ibérica ao longo de quase oito séculos de presença muçulmana na região. Ambos identificaram o alcance dos chamados mouros também na cultura brasileira, influência esta pouco explorada até os dias atuais.

Muito comum na tradição da ensaística social brasileira, especialmente aquela dedicada à busca e compreensão das chamadas ‘raízes’ do Brasil, tem sido o relativo silêncio em torno da forte presença moura em toda Península Ibérica (século VIII ao XV) e sua enorme importância histórica para o fazimento do povo português. Mesmo aqueles que parecem ter escapado à regra, como Gilberto Freyre e Câmara Cascudo, por exemplo, o fizeram sem a força de uma necessária ênfase fenomenológica, cuja análise pudesse nos oferecer um pouco mais do que o famoso borrão antropológico no perfil da lusitanidade (o conhecido argumento da ‘plasticidade’ portuguesa) ou ainda a coleção – decerto amiúde curiosa – de pequenas notas ‘folclóricas’ no rodapé de nossa história. Mais sintomático ainda é o emprego, em tantos outros autores, do próprio termo ‘moçárabe’ na tentativa de dar relevo justamente ao ‘cristão arabizado’, e não, como talvez fosse mais apropriado, o contrário (ao longo deste ensaio buscarei justificar melhor essa tese). Não obstante a óbvia herança da língua (Bilac: ‘amo-te, assim, desconhecida e obscura’), o que permaneceu mesmo, no fundo, foi sempre uma imagem demasiadamente romanizada do colonizador português, algo de que não escapou, inclusive, toda a sabida perspicácia de um Darcy Ribeiro. (FORTES, 2013, p. 4)

Cabe também citar o catalão Luis Soler, autor do livro Origens árabes no folclore do sertão brasileiro (SOLER, 1995), músico que conviveu com Ariano Suassuna – além de ter sido professor do artista pernambucano Antônio Carlos Nóbrega na época do Quinteto Armorial. Segundo ele, as modalidades do repente nordestino são modalidades de desafio árabes. Soler explica que os árabes introduziram a rima no mundo ocidental, pois a poesia latina contava apenas com a métrica.

Dentre outras influências musicais assimiladas em Portugal através do estreito convívio que cristãos e mouros mantiveram por séculos, e que chegaram até a cultura brasileira é possível destacar o martelo agalopado, o galope à beira-mar, a sextilha, o quadrão e o martelo alagoano, como aponta o músico, pesquisador e professor da Escola de Comunicações e Artes da USP, Ivan Vilela.

Quando os árabes chegaram à Península Ibérica, no ano de 722, os instrumentos de cordas dedilhadas presentes na Península eram as harpas celtas e as cítaras greco-romanas. O oud, também conhecido por alaúde árabe, foi o primeiro instrumento de cordas dedilhadas com braço onde as notas podiam ser modificadas, que chegou à Europa. Curioso observarmos que a viola mantém como característica básica de seu velho ancestral as cinco ordens de cordas. O alaúde árabe tem cinco pares uníssonos e às vezes um bordão só é colocado abaixo das cordas mais agudas para facilitar as respostas entre graves e agudos na melodia. Muitas vezes este bordão é utilizado como um pedal. Normalmente este bordão solo tem a mesma nota que os bordões em dupla. Já a viola, independente do número de cordas que venha a possuir, de cinco a quinze, sempre mantém a ideia das cinco ordens, podendo ser estas simples, duplas, triplas ou até mistas. A partir do enlace cultural de mouros, cristãos e judeus sefarditas, inúmeros instrumentos foram gestados. A fusão que se processou neste período na Península Ibérica foi tal que por volta do século XIII, surgiu a guitarra latina. (VILELA, 2008-2009). [22]

Vilela (2008-2009) também compartilha da tese de Soler, mencionado anteriormente, para quem comumente o “dominador” tende a assimilar mais a cultura do “dominado” que o contrário, pois estes últimos costumam resistir em todas as instâncias à invasão – a qual, além de militar, é também cultural. Nesse sentido, os portugueses, que, na Europa, estão entre os primeiros povos a terem configurado um reino próprio por meio da reconquista de territórios invadidos pelos muçulmanos, passaram a se estabelecer como dominadores, enquanto os árabes que naquela região permaneceram, passaram a ser os dominados.

Importante ressaltar que em seu livro, Soler recorre muito mais a referências bibliográficas espanholas do que brasileiras para tratar desse assunto. Talvez porque, de fato, o tema da presença árabe tenha sido bem menos debatido no Brasil do que na Espanha. Em seu epílogo, Soler justifica a carência de material sobre a presença árabe no Brasil:

[…] Não é de estranhar-se que o peso desta influência tenha deixado de ser avaliado com justiça, habitualmente: os árabes, como indivíduos, representam um elemento irrelevante na colonização do sertão. A história brasileira não os registra aqui. E na hora em que a colonização do Brasil foi iniciada, a história da Península Ibérica era escrita pelo povo que acabava de desterrá-los, ou dizimava ou, no melhor dos casos procurava ignorá-los. Mas 800 anos de domínio político, de caldeamento racial e, sobretudo, de liderança cultural não se apagam de uma hora para outra. (SOLER, 1995, p. 113)

No entanto, dentre os pouquíssimos brasileiros que constam em sua bibliografia, estão, inevitavelmente, Gilberto Freyre e Câmara Cascudo, mas também se encontram Mário de Andrade e Sérgio Buarque de Hollanda, o primeiro com contribuições pontuais sobre a música do Brasil e o segundo com aportes na história da civilização brasileira.

Também Gilberto Freyre e Câmara Cascudo destacaram que, ao se fixarem em um país fortemente influenciado pela cultura ibérica – e, consequentemente, moura, haja vista que muçulmanos da Península Arábica e do Norte da África estiveram na região hoje conhecida como Portugal e Espanha por aproximadamente oito séculos, tais imigrantes não somente reconheceram traços de sua própria cultura em nossa sociedade, como também não foram tratados como completos estranhos. Em outras palavras, a presença árabe no Brasil antecedeu a chegada dos próprios imigrantes e, possivelmente, contribuiu para evitar um choque cultural quando da sua chegada.

 

 

[17] Conforme ressaltado no documento base do Seminário Relações entre o Brasil e o mundo árabe organizado pela Fundação Alexandre Gusmão (FUNDAG) em 2000.

[18] Disponível em: http://www.tomze.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=118%3Aartigo-e-festivo-nao-e-serioq-diz-tom-ze&catid=8%3Aimprensa&Itemid=18. Acesso em: jul. 2014.

[19] João Baptista de Medeiros Vargens, professor de árabe do Departamento de Letras Orientais e Eslavas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autor, ao lado de Carlos Monte, do livro A Velha Guarda da Portela (2001) afirma que nas batucadas nos morros do centro do Rio de Janeiro, nos primeiros anos do século 20, o samba foi fortemente influenciado por este instrumento semelhante ao pandeiro, só que em formato hexagonal e sem platinelas, tendo-o ajudado a chegar à batida rítmica que hoje o caracteriza.

[20] A palavra “malê” vem do ioruba “imale”. Era forma de se referir aos os negros mulçumanos que resistiram e reagiram à imposição do catolicismo, mantendo sua crença e cultura na primeira metade do século XIX. Estes muçulmanos eram bastante instruídos e chegaram a organizar inúmeros levantes, sendo que a “Revolta dos Malês” é a mais conhecida delas.

[21] Grade de fasquias de madeira que se coloca no vão de janelas ou portas, para proteger da luz e do calor, e através da qual se pode ver sem ser visto. “Gelosia”. In Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Disponível em: http://www.priberam.pt/dlpo/gelosia. Acesso em: 25 ago. 2014.

[22] VILELA, Ivan. A Viola. Ensaio elaborado especialmente para o projeto Músicos do Brasil: Uma Enciclopédia, patrocinado pela Petrobras através da Lei Rouanet. 2008-2009. Disponível em: http://www.ivanvilela.com.br/pesquisador/ivanvilela-aviola.pdf. Acesso em: jan. 2014.

Conclusão

Os árabes fazem parte de um grupo de povos que aportaram no Brasil ao longo dos últimos séculos séculos, trazendo diversas culturas estrangeiras e contribuindo para a construção de uma identidade nacional. É possível falar em distintas “presenças árabes” no país, as quais são sentidas por meio de experiências e enfoques plurais, haja vista que a percepção sobre quem sejam os “árabes” varia consideravelmente.

No século XX, alguns intelectuais brasileiros iniciaram uma discussão sobre herança “moura” no Brasil e, embora estudos sob esta perspectiva não tenham recebido expressiva atenção de acadêmicos brasileiros, percebe-se uma crescente demanda por material informativo a respeito do al-Andalus, que, no Brasil, ainda é visto como algo distante, tanto no tempo quanto no espaço.

Iniciativas recentes têm comprovado esta demanda. Dentre projetos realizados na capital federal, por exemplo, é possível mencionar três exposições que contribuíram para despertar maiores reflexões sobre o tema.

Em 2018, o Museu Correios abriu suas portas para a mostra fotográfica “Framentos de Utopias”, com curadoria assinada pela mesma autora deste capítulo e fotos de Nick Elmoor. A exposição, que contou com 76 imagens, propôs uma aproximação entre diferentes culturas e épocas, mais especificamente o período conhecido como al-Andalus e Brasília. Dentre os pontos de contato que Brasília possui com boa parte dos grandes monumentos do período andalusí declarados patrimônios da humanidade, estão os fragmentos utópicos que colocam a capital federal num patamar de perfeição, e que, mesmo diante de suas incoerências, segue permeando o imaginário de quem nela vive e quem a ela visita. São exatamente tais estilhaços de perfeição que a fazem aproximar-se da região sul da Espanha, que em outras épocas também experimentou fama semelhante, mesmo que no plano real não tenha sido uma sociedade isenta de conflitos e incongruências. A visitação se deu entre abril e junho daquele ano e o projeto também foi tema de um pôster apresentado na 4ª edição do maior evento sobre mundo árabe da atualidade – Wocmes 2018 – realizado em Sevilha no mês de julho.

Ainda em 2018, durante a Segunda Semana Árabe em Brasília, realizada no mês de setembro na Biblioteca Nacional, o Instituto de Cultura Árabe-Brasileira, que adquiriu parte do acervo da exposição “Fragmentos de Utopias”, organizou uma nova mostra intitulada “De Córdoba a Granada: detalhes de uma presença árabe na Espanha”. Os 20 quadros expostos ofereceram aos visitantes um passeio por essas duas cidades andaluzas que são hoje sinônimo de um diálogo de culturas e memória viva.

Por fim, entre maio e junho de 2019, Brasília recebeu outra importante exposição: “Alhambras: O legado andalusí na América Latina”, com curadoria de Rafael López Gizmán, pesquisador da Universidade de Granada. Por meio de 30 fotografias realizadas em países da América Latina, incluindo o Brasil, foi possível conhecer um pouco mais do projeto de pesquisa Andaluzia-América: patrimônio, cultura e relações artísticas, tocado pela Universidade de Granada (Espanha), o qual impulsionou uma série de outros desdobramentos, entre eles, a elaboração deste texto.

Estes exemplos nos mostram que, cada vez mais, as reflexões sobre a presença árabe no Brasil tendem a se dividir em, pelo menos, duas frentes: (i) de um lado, a continuação dos tradicionais estudos sobre deslocamentos populacionais que apontam para a expressiva chegada de sírios, libaneses e palestinos, além de imigrantes de outros países árabes; (ii) e, de outro, a retomada de pesquisas sobre a herança cultural árabe-ibérica ocasionada pela chegada de portugueses e espanhóis à América do Sul a partir do século XVI – período que coincide com o arrebatamento do último reduto muçulmano na Espanha, o reino de Granada.

 

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