Ao longo destes últimos anos investigadores da Universidade de Granada temos vindo a realizar um trabalho historiográfico e análise de campo, que tem permitido a publicação de pesquisas sobre os edifícios neoárabes da América Latina, nomeadamente aqueles relacionados ou influenciados pelos palácios da Alhambra de Granada. Além disso, como uma tarefa de transferência do conhecimento, projetamos uma exposição itinerante que esteve em várias cidades da Espanha (Granada, Armilla, Santa Fé e Madrid), bem como em Amã (Jordânia) e Brasília (Brasil), em formato virtual. Você pode visitar (https://exposicion2.andaluciayamerica.com/)
Através desta exposição nos aproximamos, como já assinalamos, do rico patrimônio latino-americano que se inspirou na Alhambra de Granada e noutros importantes edifícios da herança do al-Andalus, feitos fundamentalmente entre a segunda metade do século XIX e o primeiro terço do século XX.
Essa estética, que nomeamos “neoárabe”, teve importantes estudos na Europa e nos Estados Unidos, mas não foi abordada no campo latino-americano, exceto em projetos específicos. É verdade que o espaço geográfico que estudamos responde histórica, politica, social e economicamente a outros parâmetros diferentes aos que têm produzido o orientalismo na velha Europa, mas seus resultados estéticos são surpreendentes. Se bem as condições dos diferentes territórios e constituintes também variam, aproximando-se algumas às propostas europeias ou, ao contrário, à procura de outras razões ideológicas que convergem tanto na concretização formal quanto em suas características simbólicas.

O estudo de campo que temos desenvolvido revelou a existência de um enorme patrimônio orientalista que se espalha ao longo da geografia americana e que inclui tipologias arquitetónicas muito variadas. Assim, vimos a propor neste texto uma avaliação da disparidade de desenhos em relação às suas funções, sublinhando, através de títulos, as arquiteturas residenciais, institucionais e de lazer. Ao mesmo tempo, salientamos um subcapítulo especifico para as construções que foram originadas por coletivos de Peninsulares emigrados: praças de touros (com caráter “neomudéjar”), “casas da Espanha” ou elementos singulares copiados diretamente do Alhambra.
Embora tenham compartilhado elementos próprios da estética orientalista desenvolvida no norte da Europa, para o caso americano, ao apogeu do “alhambrismo” contribuem um grande número de arquitetos formados e que viajaram pela Europa. Por outro lado, também é preciso fazer atenção às referências nas revistas de arquitetura e à literatura com grande sucesso como Tales of the Alhambra Washington Irving ou as histórias das Mil e Uma Noites na Corte de Bagdade de Harun al-Rashid, bem como os pavilhões efêmeros das exposições internacionais; e, obviamente, não se pode esquecer o Orientalismo pictórico, transferido através de gravuras, revistas, cartões postais ou das próprias obras de pintores conhecidos como Genaro Pérez de Villaamil e Mariano Fortuny que começaram expandir seu mercado nas capitais americanas.
Também formaram parte dos meios de difusão, muitos estudiosos burgueses, que fizeram longas estadias de formação na Europa, onde conheceram os edifícios neoárabes ingleses e franceses, bem como os vestígios originais do al-Andalus na sua obrigatória viagem a Espanha e Andaluzia. Dessas viagens, às vezes, retornavam com objetos móveis ou elementos para que foram incorporados nas arquiteturas que estavam a construir nos seus países, como cerâmicas ou gesseiras, o que permitiu a presença de elementos originais transferidos. Ao respeito destacar-se-ão, diferentes fabricas de materiais de construção europeias cuja principal linha de financiamento foi a exportação à América, como algumas das fábricas de cerâmica vidrada de Sevilha.
Esta herança americana está ligada, em muitos casos, como já tínhamos assinalado, à origem hispânica dos seus comitentes, emigrantes que procuravam a lembrança da sua terra quando encarregavam a construção das suas casas a arquitetos que tinham viajado pela Europa. Além disso, as comunidades sírio-libanesas que chegaram à América no primeiro quartel do século XX optarão também pela estética “neoárabe” para seus edifícios.
Todos esses fatores contribuem para a proliferação desta arquitetura orientalista, sem precisar de requisitos arqueológicos ou filológicos rígidos, mas com adaptações às suas condições construtivas, suas necessidades, sua climatologia e seus estilos de vida. Isto implica que o usado, por exemplo em Granada nos interiores, tornar-se fachadas, ou a ausência de cor nas paredes da Alhambra tornar-se num cromatismo muito rico, próprio do Caribe.
Tratava-se de tentar fazer uma coisa diferente, fugir da vulgaridade, criando pequenos paraísos artificiais, quase mágicos, onde não faltava o mito pecaminoso e voluptuoso do mundo islâmico. Ora, não podemos confundir esses valores com a proliferação pela América Latina de construções em contextos kitsch, não apenas em referências formais, mas também com os abusos nominais, procurando o exótico dos termos, que caracterizam espaços de lazer de diferentes nuances, desde hotéis até restaurantes ou sórdidos estabelecimentos que não respondem a nenhuma das avaliações culturais relacionadas à cultura orientalista ou histórica.
Por outro lado, devemos valorizar essas construções para a própria identidade das repúblicas americanas, que não são entendidas como simples “loucuras” atemporais, mas como a receção estética de propostas modernas nessa altura, e testadas positivamente na história da arte universal. Nem todos os edifícios listados aqui estão protegidos pelas legislações patrimoniais dos lugares onde se assentam, por isso é necessário re-significar essa arquitetura produzida nos últimos anos do século XIX e na primeira metade do século XX para que seja integrada na consciência coletiva como parte integrante de sua cultura, e aprofundar e julgar o conceito de “exótico” com o qual eles são qualificados superficialmente.
Criar uma compressão e proteção social que impede a destruição. A perceção de seus valores culturais, e sua proteção legal garantirá a sobrevivência dessas obras, das quais, infelizmente, um número significativo desapareceu. É necessário chamar a atenção dos líderes culturais dos diferentes países para que forneçam os instrumentos legais necessários para garantir sua conservação, correta interpretação e valorização identitária.