Introdução

Ao longo destes últimos anos investigadores da Universidade de Granada temos vindo a realizar um trabalho historiográfico e análise de campo, que tem permitido a publicação de pesquisas sobre os edifícios neoárabes da América Latina, nomeadamente aqueles relacionados ou influenciados pelos palácios da Alhambra de Granada. Além disso, como uma tarefa de transferência do conhecimento, projetamos uma exposição itinerante que esteve em várias cidades da Espanha (Granada, Armilla, Santa Fé e Madrid), bem como em Amã (Jordânia) e Brasília (Brasil), em formato virtual. Você pode visitar (https://exposicion2.andaluciayamerica.com/)

Através desta exposição nos aproximamos, como já assinalamos, do rico patrimônio latino-americano que se inspirou na Alhambra de Granada e noutros importantes edifícios da herança do al-Andalus, feitos fundamentalmente entre a segunda metade do século XIX e o primeiro terço do século XX.

Essa estética, que nomeamos “neoárabe”, teve importantes estudos na Europa e nos Estados Unidos, mas não foi abordada no campo latino-americano, exceto em projetos específicos. É verdade que o espaço geográfico que estudamos responde histórica, politica, social e economicamente a outros parâmetros diferentes aos que têm produzido o orientalismo na velha Europa, mas seus resultados estéticos são surpreendentes. Se bem as condições dos diferentes territórios e constituintes também variam, aproximando-se algumas às propostas europeias ou, ao contrário, à procura de outras razões ideológicas que convergem tanto na concretização formal quanto em suas características simbólicas.

Palacete Rosa. Sao Paolo (Brasil).

O estudo de campo que temos desenvolvido revelou a existência de um enorme patrimônio orientalista que se espalha ao longo da geografia americana e que inclui tipologias arquitetónicas muito variadas. Assim, vimos a propor neste texto uma avaliação da disparidade de desenhos em relação às suas funções, sublinhando, através de títulos, as arquiteturas residenciais, institucionais e de lazer. Ao mesmo tempo, salientamos um subcapítulo especifico para as construções que foram originadas por coletivos de Peninsulares emigrados: praças de touros (com caráter “neomudéjar”), “casas da Espanha” ou elementos singulares copiados diretamente do Alhambra.

Embora tenham compartilhado elementos próprios da estética orientalista desenvolvida no norte da Europa, para o caso americano, ao apogeu do “alhambrismo” contribuem um grande número de arquitetos formados e que viajaram pela Europa. Por outro lado, também é preciso fazer atenção às referências nas revistas de arquitetura e à literatura com grande sucesso como Tales of the Alhambra Washington Irving ou as histórias das Mil e Uma Noites na Corte de Bagdade de Harun al-Rashid, bem como os pavilhões efêmeros das exposições internacionais; e, obviamente, não se pode esquecer o Orientalismo pictórico, transferido através de gravuras, revistas, cartões postais ou das próprias obras de pintores conhecidos como Genaro Pérez de Villaamil e Mariano Fortuny que começaram expandir seu mercado nas capitais americanas.

Também formaram parte dos meios de difusão, muitos estudiosos burgueses, que fizeram longas estadias de formação na Europa, onde conheceram os edifícios neoárabes ingleses e franceses, bem como os vestígios originais do al-Andalus na sua obrigatória viagem a Espanha e Andaluzia. Dessas viagens, às vezes, retornavam com objetos móveis ou elementos para que foram incorporados nas arquiteturas que estavam a construir nos seus países, como cerâmicas ou gesseiras, o que permitiu a presença de elementos originais transferidos. Ao respeito destacar-se-ão, diferentes fabricas de materiais de construção europeias cuja principal linha de financiamento foi a exportação à América, como algumas das fábricas de cerâmica vidrada de Sevilha.

Esta herança americana está ligada, em muitos casos, como já tínhamos assinalado, à origem hispânica dos seus comitentes, emigrantes que procuravam a lembrança da sua terra quando encarregavam a construção das suas casas a arquitetos que tinham viajado pela Europa. Além disso, as comunidades sírio-libanesas que chegaram à América no primeiro quartel do século XX optarão também pela estética “neoárabe” para seus edifícios.

Todos esses fatores contribuem para a proliferação desta arquitetura orientalista, sem precisar de requisitos arqueológicos ou filológicos rígidos, mas com adaptações às suas condições construtivas, suas necessidades, sua climatologia e seus estilos de vida. Isto implica que o usado, por exemplo em Granada nos interiores, tornar-se fachadas, ou a ausência de cor nas paredes da Alhambra tornar-se num cromatismo muito rico, próprio do Caribe.

Tratava-se de tentar fazer uma coisa diferente, fugir da vulgaridade, criando pequenos paraísos artificiais, quase mágicos, onde não faltava o mito pecaminoso e voluptuoso do mundo islâmico. Ora, não podemos confundir esses valores com a proliferação pela América Latina de construções em contextos kitsch, não apenas em referências formais, mas também com os abusos nominais, procurando o exótico dos termos, que caracterizam espaços de lazer de diferentes nuances, desde hotéis até restaurantes ou sórdidos estabelecimentos que não respondem a nenhuma das avaliações culturais relacionadas à cultura orientalista ou histórica.

Por outro lado, devemos valorizar essas construções para a própria identidade das repúblicas americanas, que não são entendidas como simples “loucuras” atemporais, mas como a receção estética de propostas modernas nessa altura, e testadas positivamente na história da arte universal. Nem todos os edifícios listados aqui estão protegidos pelas legislações patrimoniais dos lugares onde se assentam, por isso é necessário re-significar essa arquitetura produzida nos últimos anos do século XIX e na primeira metade do século XX para que seja integrada na consciência coletiva como parte integrante de sua cultura, e aprofundar e julgar o conceito de “exótico” com o qual eles são qualificados superficialmente.

Criar uma compressão e proteção social que impede a destruição. A perceção de seus valores culturais, e sua proteção legal garantirá a sobrevivência dessas obras, das quais, infelizmente, um número significativo desapareceu. É necessário chamar a atenção dos líderes culturais dos diferentes países para que forneçam os instrumentos legais necessários para garantir sua conservação, correta interpretação e valorização identitária.

A marca de Espanha no ultramar: reminiscências islâmicas

Durante o século XIX, a celebração de exposições universais tornou-se um campo de experimentação para a arquitetura. Os países participaram com pavilhões, em sua maioria de caráter efêmero, caracterizados por um olhar diferenciador, baseado na interpretação historicista. Esses edifícios foram projetados não apenas através das tradições locais, mas também tomaram emprestado do passado alheio às suas identidades.

Neste panorama, o gosto pela orientalização encontrou um amplo palco na celebração desses concursos internacionais. Para citar alguns dos exemplos mais significativos, mencionaremos as arquiteturas egípcias e turcas na Exposição Universal de Paris em 1867, a seção e o bairro otomano em Viena em 1873, a de Paris em 1878 em que um bazar oriental foi recriado no Trocadero e o de 1889, também na capital francesa, com um mercado na esplanada dos Invalides junto a casas árabes, ruas do Cairo e um distrito islâmico novamente no Trocadero.

No entanto, foi na Exposição Universal de Paris, em 1900, que a presença dos “mouros” teve mais impacto e, juntamente com pavilhões de clara inspiração egípcia, otomana e persa, contribuiu para a construção do Palácio da Eletricidade, com o seu interior orientalizante. Nele destacou uma reprodução de “La Giralda” de Sevilha, que fazia parte dum recinto construído pelo arquiteto Dernaz, perto do Trocadero, chamado “Andaluzia no tempo dos mouros”. Naquele espaço foram reproduzidos elementos da Alhambra, do Sacromonte de Granada, de “La Giralda” e dos Alcázares de Sevilha.

A Espanha, e especificamente a Andaluzia, já havia sido amplamente incluída no território exótico e orientalizante dos viajantes românticos. Para os olhos destes, a Andaluzia representava a sobrevivência no velho continente de modos de vida e de personagens anacrônicos que provocavam um fervoroso deleite. A Andaluzia, além dos bandidos e dos ciganos, do perigo dos caminhos e outros estereótipos, tinha como singularidade uma rica herança arquitetónica islâmica.

Neste contexto, o neoárabe se tornaria repetidamente a imagem da Espanha em eventos internacionais, como aconteceu com o seu pavilhão na exposição de Bruxelas de 1910 e, no caso que nos interessa, em clubes e prédios de coletividades espanholas na América. Neste sentido, poderíamos mencionar arquiteturas como o Clube Espanhol de Iquique (Chile), projetado e construído em 1904 por Miguel Retornano em estilo mourisco, que inclui no seu interior uma exagerada e cromática decoração.

Em 1912, em Buenos Aires, o arquiteto Enrique Faulkers projetou o Club Espanhol que incluía na cave um espetacular “Salón Alhambra”, cujas paredes eram pintadas pelo argentino Francisco Villar e pela francesa Léonie Matthis, que se conhecera dois anos antes em Granada. Tratava-se de uma vista panorâmica da cidade, desde o miradouro de San Nicolás, que abrangia um círculo de 360º. Atualmente esses murais estão repintados, tendo perdido sua qualidade original, embora preservem os motivos pictóricos. Em 1913, em Villa María, Córdoba (Argentina), foi construída em estilo mourisco a Associação Espanhola de Ajuda Mútua. Anteriores aos mencionados é o edifício da Sociedade Espanhola (1867-1905) do Paraná (província de Entre Ríos), também caracterizado pela sua marca neoárabe.

                    Salón Alhambra del Club Español. Buenos Aires (Argentina). 

Outra referência sobre a vinculação do “espanhol” ao estilo neoárabe é o Pavilhão Mourisco doado pela comunidade espanhola para o Peru em 1921, por ocasião do seu centenário e foi exibido no Parque das Exposições. O mesmo, destacar-se-á por um grande arco em ferradura bicolor como os arcos da Mesquita de Córdoba, que foi reconstruído em 2000 acrescentando-lhe um átrio perimetral. Em 1923, no ano do centenário da cidade de Tandil, na província de Buenos Aires (Argentina), a comunidade espanhola doou à cidade um castelo mouro que foi localizado no topo do Parque da Independência, a um quilômetro do forte onde foi fundada a cidade.

Outra área onde a influência hispânica esteve muito presente foi na construção de praças de touros, onde, como aconteceu com outras similares na Espanha, a referência pioneira foi a nova de Madrid, que se construíram em 1874, na rua Alcala, Emilio Rodríguez Ayuso e Lorenzo Alvarez Capra, no ano a seguir no que ele tinha construído o pavilhão espanhol da exposição de Viena. Esta praça, que faz parte da tipologia neomudéjar, foi feita em tijolo, e tem influenciado importantes edifícios americanos como a “Plaza de San Carlos”, no Uruguai, que foi inaugurada em 1909, ou a de “Santa María” de Bogotá, projetada pelo arquiteto espanhol Santiago Mora, aberta em 1931.

Na Colômbia, além da já citada de Bogotá, destaca-se a praça de touros de “La Macarena”, em Medellín. De datas mais recentes e de tecnologia avançada destaca a “Plaza de Toros Granada”, pertencente à Escola de Toureio de Cali, cuja principal característica é ser a “mais moderna praça portátil” que existe no país. Foi projetada e construída em Toledo (Espanha) a partir de uma estrutura metálica sólida, com capacidade para 4.000 espectadores. Em seu desenho, como esperado, não há falta de arcos mouriscos. Venezuela também possuiu exemplos notáveis, destacando o “Nuevo Circo” de Caracas (1919), ou a “Plaza de Toros de Maracay” (1933), de Carlos Raul Villanueva, arquiteto por excelência da modernidade no país.

Outro elemento onde a influência do alhambresco esteve muito presente, foi em diversas cópias da Fonte dos Leões localizados dentro espaços arquitectónicos emblemáticos ou em espaços públicos. Podemos destacar pela sua importância, o edifício Alhambra em Santiago do Chile, a da Casa de Espanha em San Juan de Puerto Rico, e até mesmo algumas de corte popular, como uma localizada numa casa em Camagüey em Cuba.

O prestige do exótico: orientalismo na arquitetura institucional

Apesar de não ser o tônico dominante, a arquitetura institucional não será alheia à corrente orientalista. Busca em suas formas, em seus modelos decorativos, soluções para erguer edifícios públicos, seja com funções culturais, de serviços ou desenhos diretamente relacionados ao exercício do poder. Enquanto o repertório arquitetónico institucional não é comparável em número aos exemplos de vilas ou palácios preservados, a singularidade de muitos mostra que o gosto pela estética, principalmente alhambresca, não só pode ser associado patrocínio privado.

Assim, alguns arquitetos souberam projetar com essas linguagens exóticas e alheios para o país, comissões institucionais entre a segunda metade do século XIX e os primeiros anos do século XX, que acabaram simbolizando a identidade nacional em certos casos.

O fascínio pela Alhambra de Granada, a Giralda de Sevilha, a Mesquita de Córdoba e outras marcas arquitetónicas orientais, sem ignorar a forte influência que produziu o “Alhambra Court” de Owen Jones, que levou a proliferação estendida, por exemplo, dos pavilhões mouriscos nas Exposições Universais. Um dos pioneiros em solo americano foi apresentado pelo Brasil para a Exposição de Philadelphia (1876), mas muito mais significativo foi o conhecido como o Kiosko de Santa María de la Ribera, pavilhão com que o México foi apresentado na Exposição Mundial da Indústria e do Algodão de Nova Orleans (1884). Seu desenho, feito por José Ramón Ibarrola, pode ser considerado a amostra mais luxuosa do imaginário oriental mexicano. Embora Ibarrola não tenha viajado para a Europa, sua amizade com Eduardo Tamariz, mestre por excelência do neoárabe no México, e o conhecimento de outros pavilhões mouros feitos antes, serviram como fontes de inspiração. O amálgama de elementos utilizados, ameias, arcos de lóbulos, capitais cúbicos e um brilhante e rico cor, reforçado pela modernidade dos materiais utilizados, fizeram na época que fora conhecido como “a Alhambra mexicana”.

Kiosco de Santa María de la Ribera. Ciudad de México (México). 

Às vezes, o orientalismo era aplicado em pequenas áreas interiores, à imagem e semelhança de alguns espaços específicos da Alhambra; em outras ocasiões, o olhar íntimo penetrava no corredor para cobrir os exteriores dos edifícios, onde vãos e elementos decorativos emulavam formas muçulmanas. Dos primeiros conservamos o “Quarto mourisco” do Palácio Nacional do México, ou o localizado no Palácio Catete no Rio de Janeiro, que, após se transformar numa residência privada tornou-se a sede do Governo da República desde 1897 a 1960. Mais tardio na sua construção, é o chamado “jardim moro”, localizado no edifício da Assembléia Legislativa da Costa Rica. Iniciado por José María Barrantes em 1939, foi o arquiteto catalão Luis Llach que em 1943 iria imitar o paraíso do jardim muçulmano com este pátio, também conhecido como o “Jardim da Pátria Espanhola”.

Quanto ao segundo, temos o edifício do Tribunal Superior de Justiça Militar, de Lima, com claras influências mouriscas não só pelo uso de certos elementos arquitetónicos, mas também o próprio material de construção simula os silhares da Mesquita de Córdoba. Também em Campinas (Brasil) foi construido em 1908, o Mercado Municipal, projetado por Ramos de Azevedo, que usou duas cores o branco e o vermelho da arquitetura do califado nas suas paredes e nos arcos de ferradura que definem seus vãos. Da mesma forma, o chamado Edifício Nacional em Neiva (Colômbia), onde se destacam os arcos de ferraduras duplas e uma torre rematada por uma cúpula bulbosa.

Os exemplos acima mencionados nasceram para cumprir funções de natureza institucional. No entanto, existem outros que já foram construídos com outros usos quando se tornaram espaços de governo. Este foi o caso do Congresso de Puebla (México), localizada em um dos mais emblemáticos edifícios neoárabes da cidade, foi inicialmente sede da sociedade artística-filarmônica de “A Imaculada Conceição”, para a qual Eduardo Tamariz, em 1883, projetou um pátio cuja parte inferior inspirou-se na estética da Alhambra. Através de paredes cobertas com rodapés cerâmicos e gessos sobrepostos, arcos lobados emoldurados por alfiz, que funcionam como portas de acesso a diferentes espaços.

Os edifícios de representatividade pública não resistiram a emulação da Alhambra, a partir do “Palacio de las Garzas”, sede do poder executivo da República do Panamá, que foi o primeiro palácio do Governador espanhol na era vice-real. Precisamente um dos seus quartos mais valorizados é o Salão de fumantes, localizado na parte residencial da presidência, que não só manifesta seu orientalismo na decoração, mas também na sua mobília, por exemplo, nas cadeiras dobráveis como se fossem jamugas.

Da mesma forma, a arquitetura religiosa se rendeu à influência arabista, construindo ex professo alguns exemplos surpreendentes dentro da estética que rivalizam com o gosto pelo oriental. Neste sentido, destaca a Capela de San José, do arquiteto Cecil Luis Long, construído em 1893, dentro da Catedral de Leon (México). Como um espaço de “Qubba”, o neoárabe invade toda a decoração do espaço interior que rivaliza com as linhas neoclássicas que dominam o projeto genérico da catedral.

Igualmente surpreendente é a igreja de Nossa Senhora do Rosário do Trono, na cidade de San Luis (Argentina), construída em 1935, por iniciativa dos dominicanos. O exterior assemelha-se à entrada da mesquita de Córdoba, com um grande arco de ferradura enquadrado com alfiz e protegido por duas torres, como se fossem duas Giraldas. Dois monumentos arquitetónicos, por sinal, que nasceram como símbolos da religião islâmica e hoje permanecem como os principais templos do catolicismo em Córdoba e Sevilha.

Finalmente destacamos vários exemplos em que o Orientalismo se percebe basicamente, no interior, como a Basílica do Imaculado Coração de Maria, no Rio de Janeiro, construído pelo sevilhano Adolfo Morales de los Ríos; a Basílica de Nossa Senhora das Mercedes, em Nátaga (Colômbia); e, finalmente, a Igreja de San Juan Bautista em Pasto (Colômbia), exemplo tardio, dado que sua decoração é dos anos sessenta do século passado, da vigência do Orientalismo na América.

          Patio de la Asamblea legislativa. San José de Costa Rica (Costa Rica). 

Lúdica e relaxante: arquitetura para um lazer orientalista

O século XIX europeu, de personalidade romântica e propenso ao escapismo, entendeu que um dos melhores estilos para construir seus espaços de lazer era o neoárabe. Isso também aconteceu na América, onde ricos burgueses e líderes públicos usaram seu caráter exótico para criar certos climas descontraídos e relaxados.

A arquitetura, um verdadeiro reflexo do clima social vigente, reflete os interesses de uma sociedade americana sonhadora nessa época. Um bom exemplo disso é o caso do casal Concha-Cazotte, um dos mais exaltados do Chile, que transformou seu palácio orientalista de Santiago em uma das cenas burguesas mais importantes da cidade. Bem, talvez a receção de mais alto nível das que tiveram lugar foi o baile de disfarces de 1912. Nas fotografias do evento constata-se a moda orientalizante, não só na arquitetura, mas também nos trajes de “Turco”, “Andaluza”, “Oriental” ou “mouro” que muitos dos convidados escolheram. De fato, enquanto a dona da casa preferiu se caracterizada por María Antoñeta, seus filhos apareceram vestindo “trajes mouriscos que harmonizavam lindamente com a atmosfera do palácio” de acordo com uma crônica do momento.

Teatros, cinemas e outras arquiteturas de entretenimento logo adotaram essa mesma linguagem, onde o mesmo apareceriam gesseiras nazaries que cúpulas bulbosas e iwanes iraniano. São exemplos o Teatro Juárez de Guanajuato, San Martín de Buenos Aires, Alhambra da Havana e Colón de Mar del Plata e os cinemas Alcázar de Montevidéu e Palacio do Rio de Janeiro. Como é evidente, também era comum reforçar essa identidade orientalista com uma toponímia que fazia alusão aos seus modelos espanhóis originais, e que às vezes se tornava mais uma alegação comercial do que qualquer outra coisa, como por exemplo no caso de La Alhambra, em San José da Costa Rica, a relação com o monumento de Granada é só percebida num punhado de capitais nazaritas reduzidas a sua mínima expressão.

Esse “impulso exótico” também se manifesta em outras tipologias associadas ao divertimento: no Reparto de Vista Alegre, em Santiago de Cuba, foi construída uma pista de patinação; em Lima, um campo de corrida; em Montevidéu um pavilhão do Ateneu uruguaio que passa por o exemplo mais notável do novo estilo naquele país, embora tristemente perdido, e em La Plata um dos edifícios do Parque Infantil da República das Crianças. Mas talvez o mais alhambrista de tudo é o projeto não concretizado do restaurante-teatro concebido por Jorge Soto Acebal em 1915, onde os clientes poderiam assistir a um show jantar em uma reprodução quase literal do “Patio de los Leones” da Alhambra.

Além disso, com o passar do tempo surgirão outros usos do neoárabe, de carater mercantilista e tendente ao kitsch, que interpretam o oriental como uma “cultura do excesso” e são derivados em grande parte do livro conhecido As Mil e Uma Noites. Estão inscritos nesta tendência centros comerciais, salas de shows e bordéis.

Outro uso arquitetónico do neoárabe na América é o que tem a ver com relaxamento e descanso. Na Argentina, encontramos dois edifícios com essas características relacionadas aos benefícios da água, o Natatorio Juan Perón, em Salta, construído por volta de 1940, e o centro de hidroterapia que foi chamado de Palácio Árabe na Rua Suipacha em Buenos Aires. Na cidade mexicana de San Luis Potosí também havia uns banhos públicos chamados “de San José”, que podemos relacionar com a cultura islâmica tanto na tipologia quanto no estilo.

Finalmente, uma outra área onde impactou fortemente o poderoso arquétipo da Alhambra foi no jardim, porque, na verdade, a criação paisagística e vegetal do Generalife foi tão imitada como a arquitetura dos palácios. No parque cubano da Tropical, construído por uma empresa de cerveja, não apenas imitaram as colunas, arcos e azulejos da Alhambra no seu edifício principal, mas também organizaram os jardins adjacentes com fontes e riachos semelhante aos granadinos. Na Argentina encontra-se o mesmo conceito nas residências de Enrique Larreta, na casa museu de Buenos Aires (hoje Museu de Arte espanhol) e na casa Acelain inspiradas no “Patio de la Acequia” do Generalife em Granada. Outro caso singular é o do Patio Granada do Museo de Arte de Ponce, em Porto Rico (1964), onde René Taylor, o primeiro diretor da instituição, desenhou um pátio também inspirado no Generalife depois de visitar Granada. Foram reproduzidos os ciprestes e os salgueiros chorões que tinha na altura o palácio nazarí, foi contratado um artesão de Granada, que finalmente não poderia fazer a viagem por questões de visto e até mesmo chegaram a um acordo com a câmara municipal da cidade espanhola para exportar o pilar que hoje está apensado à parede do Museu Ponce.

Em outras ocasiões, quando o projeto total do jardim não foi concebido numa estética neoárabe, foram introduzidas certas referências específicas. É o caso dos pavilhões centralizados que deram ao jardim, parque ou zoológico, uma certa “ilha do orientalismo”. Exemplos dessa tendência incluem o Pavilhão Morisco de los Lagos no Bosques de Palermo, em Buenos Aires, o Pavilhão Morisco do Rio de Janeiro, a Giralda do Hotel Mocambo em Veracruz e vários pavilhões Zoológico de Buenos Aires.

                                             Palacio de la Glorieta. Sucre (Bolivia).  

Habitar a fantasia: arquitetura residencial

Na arquitetura americana, como aconteceu na Europa, durante a segunda metade do século XIX houve uma reação contra as regras da academia. As propostas classicistas foram esgotadas e deram lugar a um novo repertório de estilos históricos importados de países europeus, que incluíam variáveis regionais como o normando, o bávaro, o bretão, o basco, o alpino, o gótico lombardo, etc. A gama de materiais e cores foi ampliada com a possibilidade de ser utilizada na arquitetura, que se voltou para o recarregamento na decoração. Além desses estilos de raízes europeias, passaram para a América outros pertencentes a culturas mais distantes, como a babilônica, de natureza arqueológica, bem como o americano pré-colombiano, que também possuía uma importante fortuna como modelo artístico.

Ao mesmo tempo, impunha-se o ecletismo, que permitia a mistura desses estilos e o surgimento de linguagens historicistas de notável hibridismo, destruindo as bases de coerência e homogeneidade que haviam sustentado o classicismo. O gosto dos clientes, muitas vezes longe das normas acadêmicas, conseguiu impor seus caprichos. Nesse cenário, o estilo neoárabe ou mourisco, nome que obteve maior fortuna em terras americanas, alcançaria raízes notórias, especialmente em exóticas casas particulares.

Esses edifícios de fantasia serviram aos indivíduos como um meio de distinção social, prevalecendo principalmente em áreas residenciais construídas nos anos 1920 e 1930, embora existam exemplos anteriores e subsequentes nesse sentido. As classes altas e a nova burguesia americana não hesitaram em adotar esses devaneios arquitetónicos para dar uma imagem externa do bem-estar excêntrico.

O primeiro edifício de estilo mourisco construído na América Latina data de 1862 e é o chamado “Alhambra”, obra do arquiteto Manuel Aldunate, em Santiago do Chile, edifício que hoje abriga a Sociedade Nacional de Belas Artes. Durante alguns anos do século XIX foi a residência do político e diplomata Claudio Vicuña Guerrero, que encomendou ao arquiteto Tebaldo Brugnoli a realização do seu mausoléu no Cemitério Central de Santiago, também neoárabe.

É curioso ver esse tipo de construção em países onde as tradições árabes são ainda menos relevantes, como na Bolívia. Lá, impacta o Palácio da Glorieta (1893-1897), a poucos quilômetros de Sucre, que é uma espécie de irrupção da fantasia oriental no coração dos Andes. Nem sempre o conjunto total de residências recorreu ao estilo mouro, mas às vezes apenas alguns de seus quartos mostravam essa herança. É o caso do Palácio de Portales (1912-1927), em Cochabamba, encomendado por Simón Patiño, empresário conhecido como o “Rei do Estanho”, que faz parte de uma sala de bilhar no estilo mourisco. Este era um espaço destinado ao lazer, eminentemente masculino, que também existia em outros palácios americanos.

Na área do Rio da Prata, podemos apontar o pátio da residência de Arana na cidade de La Plata, que originalmente tinha uma réplica da fonte dos Leões da Alhambra; foi construído entre 1889 e 1891 pelo escultor espanhol Ángel Pérez Muñoz, de acordo com uma ideia tirada da Europa pelo fundador da cidade, Dr. Dardo Rocha. Em Montevidéu (Uruguai) destacam a Quinta de Tomás Eastman (1880), também chamado “Quinta de las Rosas” na Avenida Agraciada, atribuída ao francês Victor Rabú, e algumas residências particulares no centro da cidade.

Embora em praticamente todos os países do continente encontramos notáveis residências privadas neoárabes, é na região do Caribe onde os exemplos são mais abundantes. Como de costume, são construções dispersas, ideadas como edifícios emblemáticos e singulares, integradas nos mais variados contextos. Em Puerto Rico destaca a residência de Henry Calimano em Guayama, baixo o controle desde 1928, de Pedro Adolfo de Castro, quem a construiu com influência “hispânica”, incorporando uma réplica da fonte dos leões da Alhambra, idêntica ao que anos depois seriam construídas na Casa de Espanha, em San Juan. Castro se consolidaria como um autor essencial em Porto Rico, na perspetiva hispânica; formado na Universidade de Syracuse, Nova York, absorto pelo “spanish style” americano, e a seu retorno à ilha, estaria inclinado a dar a seus projetos ares hispânicos. Como afirmou Rafael A. Castro, o “estilo nacional” porto-riquenho foi inspirado na Espanha, mas através da Flórida, como neste caso, trazido por um arquiteto local desde o Norte.

O exemplo mais impressionante da arquitetura mourisca no Caribe está localizado em Punta Gorda, Cienfuegos (Cuba). É o palácio que o arquiteto Acisclo del Valle e Blanco, de Pablo Donato, construíram entre 1913 e 1917. Este edifício destaca por seu ecletismo notável, que é evidente na própria origem dos materiais: mármore de Carrara, alabastro também italiano, cerâmicas da Venezia e Granada, acessórios e peças forjadas espanholas, mosaicos talaveranos, vidros europeus, e madeira de mogno cubana. Tem três torres diferentes que, segundo a tradição, contêm um caráter simbólico: a esquerda representa o amor, a central a religião e a força a direita. Os vitrais do edifício mostram cenas do nascimento de Cristo.

Se bem tínhamos visto que os exemplos de residências mouriscas são principalmente património de ambientes urbanos, tanto isolados ou integrados em bairros, também devem ser mencionados os exemplos nas áreas rurais como são fazendas, afastadas dos centros. Á referida de Sucre, poderíamos acrescentar, no caso da Argentina, a Quinta de Agustín Mazza, agora desaparecida, ou o casco da propriedade de Mesón de los Sauces, a poucos quilómetros da cidade de Los Altos, Jalisco (México ), construído em 1881.

                                 Casa Blanco Núñez. Barranquilla (Colombia). 

No que diz respeito aos bairros residenciais, é também no Caribe que encontramos principalmente grupos que se destacam pelos seus edifícios com influência mourisca. Podemos apontar aqui a urbanização de Lutgardita na cidade cubana de Rancho Boyeros, feita por dois notáveis arquitetos, Evelio Govantes e Félix Cabarrocas. Em Porto Rico, destacar-se-ão as casas, construídas em concreto armado, do bairro Bayola em Santurce. Em Santo Domingo, o bairro de Gazcue. Em Cartagena das Índias (Colômbia) as casas mouriscas do bairro de Manga, e entre elas as das famílias Roman e Covo, construídas pelo arquiteto Alfredo Badenes, ativo também em Barranquilla, onde várias residências mouriscas são criadas no Prado. Outros setores altamente localizados mostrar características semelhantes, com presença marcante da arquitetura neoárabe, como os bairros de San Francisco em Puebla (México), cidade em que estão alguns dos salões de fumadores neoárabes mais importantes, Amón em San José da Costa Rica, Los Haticos em Maracaibo (Venezuela), El Ejido em Quito (Equador), Barranco em Lima (Peru), Sopocachi em La Paz (Bolívia), Manguinhos no Rio de Janeiro (Brasil) e outros dois “Prados” em Medellín (Colômbia) e Montevidéu (Uruguai).

Bibliografia

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Webgrafia

-Exposición virtual “Alhambras. Arquitectura neoárabe en Latinoamérica” (https://exposicion2.andaluciayamerica.com/)